Texto de Marco Fialho
O diretor Robert Guédiguian reúne em E a festa continua! vários de seus temas mais recorrentes: a viabilidade da luta política de esquerda, a questão dos armênios, a crise geracional, Marselha como cenário, um cinema simples e os seus dois atores preferidos. Essa é a mistura na qual o cineasta se sente mais à vontade para fazer um filme encantador e aqui não é diferente. O melhor do filme é a leveza que transpira pelos seus poros, uma afetividade que Guédiguian sabe filmar como poucos.
Há uma profusão de personagens em E a festa continua!, mas são Ariane Ascaride (Rosa) e Jean-Pierre Daurrossin (Henri) que dominam o melhor da cena. Claro, que o background de já ter trabalhado em quase todos os filmes de Guédiguian ajuda nessa química, pois tudo parece muito familiar nesse filme, além da própria ideia de família está impregnando a história como um todo. Não só os dois protagonistas, mas também a maioria dos atores e atrizes em cena já fizeram filmes com Guédiguian. Essa talvez seja a maior festa do filme, ter tanta intimidade com o processo entre profissionais e diretor, o que já havia ocorrido em outras obras do diretor, como As neves de Kilimanjaro (2011) e Uma casa à beira-mar (2017).
O mais interessante na narrativa de Guédiguian é de ver como o ato político do filme é inserido com total organicidade na trama, a partir de dois fatos: o desabamento de dois prédios e o lançamento da candidatura de Rosa à prefeitura de Marselha. E os personagens vão se engajando em torno desses acontecimentos que guiam o filme. Tonio, o irmão de Rosa, é um misto de bon vivant mulherengo com um desesperançoso militante comunista; Sarkis (Robinson Stévenin), filho de Rosa e um homem voltado para a cultura armênia, tem inclusive um bar temático baseado nesse país, e anuncia casamento com Alice (Lola Naymark), uma das ativistas que luta pelas família desabrigadas no desmoronamento dos prédios, além de tentar remover famílias que ainda estão em área de risco. Henri é o seu pai, um homem que decide vender a livraria para para uma cooperativa formada pelos ex-funcionários.
Ideologia e afetos, ou a falta, ou a carência deles, tomam conta do filme, dos conflitos diários que Guédiguian filma com uma leveza extraordinária, com a câmera passeando harmônica e discretamente por entre os personagens. No cinema de Guédiguian, os atores e atrizes são as estrelas, os meios técnicos são apenas aportes para que os astros brilhem com os seus talentos.
Mas Guédiguian não esconde o amor que cultiva por Marselha, a mostrando sempre linda, apesar das dificuldades e estado precário de alguns de seus prédios. E o que dizer da ironia de se ter em Marselha um busto de Homero, o poeta cego como uma metáfora de um mundo tecnológico e digital que cada vez enxerga menos os homens.
Entretanto, Rosa é uma personagem típica do cinema de Guédiguian, uma mulher engajada, vivaz, cheia de vontade de realizar coisas e aberta à paixão. Ela e Henri formam um casal poético, ideal, quase improvável, e que empresta um clima lúdico à trama, que por mais que ameace às vezes descambar para algo mais virulento, a presença deles está sempre ali prestes a tornar tudo sereno e belo. E a festa continua! é um ótimo exemplar de como o cinema de Guédiguian sempre sinaliza a luta política de esquerda como um motor importante da vida, da crença como via de transformar o mundo, por mais que o mundo dê umas voltas bem estranhas.
Adoro e assisto todos os filmes deste diretor. Este também já assisti e amei. Gostei da sua crítica. Vou divulgar.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário e por compartilhar!
ExcluirObrigado por compartilhar seu olhar tão rico, Mestre!
ResponderExcluirObrigado Flávio! Saudades!
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