Texto de Marco Fialho
Aumenta que é Rock'n Roll, dirigido por Tomás Portella, é um filme sobre os sonhos de um homem que tornam-se rapidamente o de uma geração. A história é tão envolta de casos surpreendentes que ficamos na dúvida de quanto ali é inventado ou aumentado, o que me remeteu de imediato à maxima e célebre frase "quando a lenda se torna fato, imprima-se a lenda", extraída de O homem que matou o facínora, de John Ford.
A história de Aumenta que é Rock'n Roll é baseada no livro de seu principal protagonista, Luis Antônio Mello, no filme interpretado com muito empenho por Johnny Massaro. O diretor Tomás Portella salienta na narrativa muito do tom bem- humorado e imprime um ritmo avassalador à obra cinematográfica. Às vezes chega a ser difícil respirar pela intensidade rítmica que nos atravessa com muita força. Alguns respiros seriam muito bem-vindos, o que realmente não acontece.
Os absurdos desse enredo são tantos que ficamos sempre de olho na possibilidade do exagero. Há, sem dúvida, uma espetacularização de alguns fatos e a minimização de algumas ideias. Se a participação do público no filme é grande, na realidade foi mais significativo ainda do que nos é mostrado. Segundo vários depoimentos, o público foi um vigilante constante para que a rádio não executasse música que não fosse Rock'n Roll. James Brown e cantores de Reggae foram retirados do ar por reclamação da audiência e Luiz Antônio Mello não tergiversava, tirava a música no meio, pedia desculpas e um rock era tocado de imediato.
Claro, que entendemos que a ficcionalização dessa história corria esse risco, o da espetacularização da lenda, pois há um lado dela que pode ser vendido assim, mas o filme perdeu a oportunidade de sublinhar uma máxima de Luís Antônio Mello de que as ideias da Fluminense, a rádio maldita, eram mais importantes do que os sonhos em si. Por isso indico, em contrapartida, o longa documentário A Maldita, de 2019, realizado pela Tetê Mattos, sobre a rádio, pode trazer outras perspectivas interessantes (tem ainda o curta da própria Tetê, com o mesmo título, feito em 2007, que pode ser igualmente esclarecedor).
Mesmo que siga uma cartilha do filme que se pretende ser comunicativo em demasia, às vezes forçando barras para assim se consolidar em um determinado panorama cinematográfico, Aumenta que é Rock'n Roll tem qualidades no dinamismo da montagem que segura a emoção até o fim, mesmo que haja um exagero no enfoque dado ao Rock in Rio. Não era muito a cara da Maldita querer ser uma parceira de um Festival de Música mainstream, tanto que Luis Antônio Mello vai ao evento para procurar por Alice (uma ótima interpretação de Marina Provenzzano, talvez a de maior destaque do filme). A necessidade de se ter um final que tivesse uma cara feliz também está ali presente. Mas há de se ponderar quando o filme deixar subtendido que a realização do Rock in Rio fosse o maior triunfo da rádio.
A Maldita preencheu uma espécie de demanda reprimida que havia no Brasil em relação ao rock. Trouxe à tona algo que estava no subterrâneo, sendo alimentado durante o processo mais duro da ditadura militar. Desde o final dos anos 1960, todo os anos 1970 e o início de 1980, o rock já flutuava entre nós, embora sem um canal em condições de ecoar essa energia armazenada por anos e anos. A juventude queria extravasar uma ira em relação ao status quo, mas buscava outros meios fora do sistema político vigente ou da luta armada. O grito do rock era o que mais expressava isso, tal como Renato Russo dizia na música Geração Coca-Cola.
O filme evidente toca nos pontos fundamentais do país e da nossa cultura, e acerta em despejar uma energia que havia na época, mas não tende a refletir muito por focar mais nas ações do que nas ideias. No prólogo, o diretor até sinaliza uma possibilidade de racionalizar mais a história, porém o desenvolvimento se perde em meio a um romance forçado entre Luis Antônio Mello e Alice, mesmo que essa vertente não saia da intenção, com exceção da cena final. As coisas vão meio que acontecendo aos atropelos, embora isso seja mais usado para dar ritmo do que para pensar as ideias que fluíam e perpassavam a criação e sustentação da rádio. Os conflitos provenientes entre os organizadores da rádio ficaram maiores do que os externos, como a dificuldade de manter uma programação maldita em meio ao autoritarismo e a censura típicas de uma ditadura militar.
O principal mérito de Aumenta que é Rock'n Roll é a de trazer uma importante luz para a juventude de hoje, que em sua maioria desconhece a existência dessa rádio, e agora vai poder saber um pouco como um dos ritmos mais populares aqui no Brasil ganhou o vulto e a grande aceitação de hoje. O trabalho do elenco creio ser fundamental para que o filme tenha um bom desempenho nos cinemas. Johnny Massaro consegue imprimir uma atuação bem equilibrada, concentrando em si o peso das maiorias das cenas, com um vigor surpreendente, arrisco inclusive a dizer no melhor momento dele no cinema.
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!