Texto de Marco Fialho
Ouvi muitos dizerem que "O sabor da vida", dirigido pelo vietnamita Anh Hung Tran, era uma cópia de "Festa de Babette" (1989), filme dinamarquês de Gabriel Axel, ou ainda de "Como água para chocolate" (1992), do mexicano Alfonso Arau. Fora o fato de todos esses filmes terem a culinária como elemento central na trama, nada mais os aproximam. Cada um possui uma abordagem própria que os distingue por completo um do outro.
"O sabor da vida" pode ser definida como uma obra sobre o amor de um homem por uma mulher que dividia a mesma paixão pela arte da culinária. Não casualmente, a atuação do elenco se torna crucial para o sucesso da empreitada narrativa de Anh Hung Tran, em especial a participação do casal protagonista Dodin (Benoît Magimel) e Eugenie (Juliette Binoche). Há portanto uma previsibilidade na trama, já que da primeira à última cena o filme está sempre transitando pela relação de Dodin e Eugenie, apesar de não podermos descartar o encanto permanente da personagem Pauline (Bonnie Chagneau-Ravoire), uma jovem e talentosa aprendiz.
Anh Hung Tran se empenha com afinco na construção da ideia de amor. Cada imagem parece querer expressa-lo, o que faz a fotografia alaranjada e quente ser um elemento central tanto na dramaturgia quanto na mise en scène de "O sabor da vida". A todo instante, a imagem está ali para seduzir o espectador. Há um encantamento entre os personagens e a câmera se esmera em perseguir a beleza das cenas, como se a buscasse sempre o melhor ângulo e enquadramento. A beleza dos pratos e o cuidado na preparação deles detalham a própria relação de carinho que permeia cada cena.
"O sabor da vida", sem dúvida, é uma obra propícia para que Juliette Binoche possa perfilar o seu talento. Ela sobra como Eugenie e seus silêncios são primorosos, comunicam de maneira absoluta e enigmática, a sua presença em cena é absoluta, um prazer à parte para se desfrutar. Mas se a primeira parte do filme é todo de Binoche, a segunda parte é de Benoît Magimel, que impressiona pela entrega e paixão que demonstra nas cenas.
O diretor Anh Hung Tran lentamente vai costurando o amor de Eugenie e Dodin. Quando ele decide conquistá-la em definitivo, o faz pela culinária, embora os trejeitos de Binoche sejam sedutores ao extremo, talvez o trabalho mais sensual de sua longa carreira. E isso é curioso, porque por mais que a personagem de Eugenie seja frágil como uma porcelana tcheca, há uma alternância erótica, pois ela é difícil de dobrar em sua insistência por não querer casar, por mais que esteja caída por Dodin.
"O sabor da vida" narra antes de tudo um aprendizado. Dodin é um aprendiz, alguém que aprendeu com o amor de Eugenie e tenta dividi-lo com o mundo. Eugenie representa o amor autêntico, livre e desprendido. O que achei interessante foi que o filme não tentou definir o amor, apenas permitiu que os seus personagens experimentassem a força de sua magia, o peso irrevogável de sua mão. Se "O sabor da vida" não é um Anh Hung Tran em seu melhor momento, como o foi em "O cheiro do papaia verde" (1993), também não é uma obra a ser desprezada. Aliás, a beleza e o amor nunca podem ser assim descartados. E beleza e amor "O sabor da vida" tem de sobra.
Gosto desse blog. Muito expressivo.
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