Texto de Marco Fialho
"Frida", dirigido por Carla Gutiérrez, é um documentário no mínimo impactante e forte, que traça um retrato não só de uma grande artista, mas também de uma mulher e cidadã de alto calibre histórico. O filme redimensiona, em especial, a humanidade vigorosa que possibilitou Frida tornar-se um dos grandes nomes do século XX, uma referência de como ser mulher em um mundo tomado pelo poder masculino.
O maior mérito da diretora Carla Gutiérrez é tornar Frida a maior narradora do filme pela voz calibrada de Fernanda Echevarría del Rivero, se utilizando dos diários e cartas da artista para que somente ouvíssemos a sua voz. Quando temos o ponto de vista de Diego Rivera ouvimos a voz de Jorge Richards, assim cada personagem vai assumindo a sua própria voz, o que faz o filme crescer eticamente.
Carla Gutiérrez também incorpora à narrativa o fantástico trabalho de animação comandado por Sofia Inés Cázeres Lira, que atua na expansão das obras pictóricas de Frida Kahlo. As animações conferem um efeito visual significativo ao documentário, um movimento maior às obras, como se as pinturas quisessem ultrapassar a tela e ganhar o mundo, fora que ajudam a chamar a atenção a alguns detalhes que estão presentes nos quadros.
Ouvir a voz de Frida durante todo o documentário é realmente um diferencial, sublinhando os momentos mais cruciais de sua vida, as dores verdadeiras de alma e carne. As traições incontroláveis de Rivera, o acidente quase fatal que a impediu de viver com plena saúde até o fim da vida, mas sobretudo, a dureza de ser mulher numa sociedade machista que relutava em ver uma mulher tornar-se artista. O filme de Carla consegue trabalhar as contradições do pensamento de Frida, as inseguranças e a força que tinha para encarar as adversidades da vida de artista.
Um dos aspectos bem interessantes de "Frida" é entender melhor a sua visão política marxista, tanto pela influência de Rivera quanto pela própria Revolução Mexicana que permeou a infância e o início da adolescência de Frida. Daí, tem a paixão por Zapata e a relação com Trotsky, um dos maiores líderes da revolução russa, que chegou a se apaixonar por ela. São impagáveis os momentos em que Frida espinafra os empresários em sua viagem a Nova York, Paris e nas suas caminhadas no próprio México. A melhor parte do documentário é ver Frida com os surrealistas, em especial com Andre Breton, que numa visita ao México, a convida a expor em Paris. Mas Frida ao chegar lá odeia todos os artistas, os chama de burgueses decadentes e volta para o México decepcionada com a vanguarda europeia.
A relação conturbada com Diego Rivera é um dos pontos altos do documentário, mas Carla mostra trechos da visão tanto de Frida quanto de Rivera. Os casos de um e de outro, sendo que foi Rivera que deu os primeiros passos da infidelidade, inclusive a traindo com a própria irmã. Mas Frida não ficou para trás e levou para a sua cama muitos homens e mulheres. Frida ainda sim, mesmo nos percalços manteve uma visão libertadora sobre a vida e o amor. Amava Rivera, mesmo não tendo mais envolvimento sexual, inclusive aceitando se casar duas vezes com ele.
Como um típico documentário de personagem, a diretora demonstra uma grande paixão por Frida, explorando aspectos humanos que colaboram no entendimento da personalidade da artista. Esse é um filme delicioso de ver, pela paixão que ele emana por Frida, sua coragem de viver todas as dificuldades físicas, o enfrentamento que tinha nos relacionamentos amorosos e não amorosos, e o melhor de tudo, vê-la comentando sobre como foi adquirir personalidade própria como artista.
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