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MEMÓRIA INFINITA (2023) Dir. Maite Alberdi

 


Texto de Marco Fialho

"Mémória infinita" pode ser entendido como um tipo de documentário que transmite, simultaneamente, uma enorme fé na humanidade e uma melancolia sem precedentes. É ainda um filme caro à história do Chilena, em especial por abordar dois personagens que viveram galhardamente a ditadura de Augusto Pinochet. Augusto Góngora e Paulina Urrutia formam, sem dúvida, um casal apaixonante, ele um jornalista político importante na resistência a Pinochet, ela uma atriz que chegou ao cargo de ministra da cultura no período de redemocratização. 

Logo na primeira cena o dispositivo do filme é lançado: ele contraiu o Mal de Alzheimer, ela será a responsável por tentar manter viva a sua memória, que está prestes a desmoronar. O filme é gigante ao conseguir trabalhar com o cruzamento da memória coletiva com a individual. O Chile precisa manter essa memória da luta e Augusto é um dos baluartes dessa memória de luta. Paulina lutará com todas as suas forças por manter a memória deste amor, por mais que saiba que em algum momento a luta será perdida. E essa é a beleza dessa abnegação desenfreada de Paulina, não desistir nem quando o pior já está instalado em Góngora.

O filme de Maite encara sem medo essa luta de Paulina pelo amor e pela memória. O dispositivo é claro: Paulina trabalhará a todo instante na lembrança das memórias tanto da política quanto do pessoal. É como se cada batalha servisse para não deixar a história do Chile se apagar. Assim, vamos vendo tanto imagens do presente quanto as do passado. Família, política e cultura vão se misturando de uma maneira irreversível. Chile, amor, música e livros são igualmente protagonistas no filme. Ao documentário pessoal se junta ao da história chilena e isso veste o filme de uma força sem igual.

O que mais chama a atenção em "Memória infinita" é a quantidade de abraços, beijos, carícias e palavras amorosas com que Paulina vai contornando a pessoa de Augusto Góngora. É incrível quando vemos a casa deles sendo construída e depois acompanhamos a câmera perto dos protagonistas passeando por cada canto da mesma casa. Esse é um filme obviamente sobre a memória, mas acaba sendo bem mais. É também um documentário sobre o cuidado, o cuidado deles em relação ao futuro do Chile e o de Paulina para Augusto Góngora, o amor de sua vida.         

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