Texto de Marco Fialho
"SOAP" (título extraído do termo 'soap opera', que quer dizer telenovela nos EUA) originalmente é uma série com seis episódios realizada para ser colocada em looping em uma galeria. À convite da curadoria da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a diretora Tamar Guimarães foi desafiada a fazer um longa para ser exibida em Tiradentes. O resultado dessa experiência não foi das mais felizes, já que aos seis "capítulos" foi acrescido um adendo, um filme resumo com um compilado das mesmas imagens da série, só que desta vez com uma voz over que termina por explicar todos os seis filmetes, uma espécie de resumo.
Essa opção não poderia ser mais desastrosa do que foi, visto que dessa forma o filme caiu em uma reiteração desnecessária, que em último nível trata o espectador como incapaz de por si interpretar os seis episódios. A diretora chamou esse resumo de 6 e meio, uma evidente analogia à obra do mestre Federico Fellini.
Se pensarmos a obra em sua intenção, ela até traz reflexões interessantes, muito embora haja uma certa arrogância de tom acadêmico advinda de sua concepção. A ideia da obra é pensar a realização de uma novela que pudesse aproximar os discursos extremados que dominaram o Brasil de 2016 até 2022. Refletir o fenômeno do fascismo como prática torna-se primordial para que uma nova esquerda propusesse uma novela que criasse um diálogo sobre o Brasil. O filme adiciona o depoimento de um pensador que declara a decadência da esquerda branca. Creio que essa ideia seja uma das mais estapafúrdias que o filme nos oferece, inclusive nas reuniões que assistimos sobre os rumos da tal novela, que obviamente, e como era de se esperar, jamais sairia do papel.
Já foi dito, e muito por aí, que fascismo não é algo para se conciliar com ele, mas sim para combater e extermina-lo. Há um pensamento que vem do filme, que reputo como perigoso ideologicamente, que fascismo advém da ideia de amor de um grupo de pessoas pelos conceitos de família, religião e pátria. Mas esse pensamento não leva em conta o belicismo que essas ideias suscitam em nome desse amor e o extermínio que ele perpetra na tentativa de salvar esses valores mortos.
"SOAP" almeja fazer uma novela, mas o que vemos na tela passa ao largo de qualquer referências a elas. Aqui, Manoel Carlos, Aguinaldo Silva e Silvio de Abreu passam bem longe. O filme é mais uma dessas boas intenções pequeno-burguesa (que no inferno já deve está cheio) travestida de pensamento revolucionário, uma obra que clama por soluções, mas evoca o fracasso de ideias pequenas, anacrônicas e sonhadora, ao acreditar que é possível aniquilar o fascismo com a encenação de uma novela.
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