Texto de Marco Fialho
"O tubérculo" pode ser enquadrado como um filme sobre família, apesar dessa delimitação temática reduzir o alcance real da obra, afinal, pode-se pensa-lo também como um filme mais amplo, que aborda temas como as estruturas arcaicas patriarcais, além flertar com gêneros cinematográficos como a ficção científica e o horror expressionista, em especial pelo viés das interpretações exacerbadas dos atores.
Dito tudo isso, parece que esse é um filme que você encontra na primeira esquina, enquanto na realidade, o seu maior traço é o do estranhamento, a começar por trabalhar com uma imagem granulada e com ranhuras provenientes de uma câmera super 8, apesar de que é notória haver interferências na pós-produção que salientam uma sujeira na imagem durante toda a projeção. Mas o som também não fica atrás, já que as experiências sonoras abundam no filme durante toda a fruição. Os quase inexistentes diálogos fazem o filme tangenciar estéticas que evocam o cinema silencioso, em especial a do cinema expressionista, na atuação, sobretudo a de Gustavo, que muito me remeteu a Cesare, o sonâmbulo de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919) e um toque do impressionismo francês dos anos 1920, como Jean Epstein e Germaine Dulac, onde os planos manifestavam mais a subjetividade dos personagens do que a necessidade de narração de uma história.
Mas quero retornar ao som para frisar sua importância e destacar outras facetas sonoras presentes na estrutura narrativa, penso aqui nas inserções musicais que introduzem elementos da cultura popular, como as canções de amor e da dança (tem até uma música da dupla Sandy e Júnior), embora elas contribuam mais ainda para agravar o estranhamento com o espectador. "O tubérculo" não é um filme fácil e digerível, pois as imagens parecem estar em uma rotação mais ralentada, tal como os filmes mudos dos primórdios do cinema. Mesmo que o cômico perpasse o filme a todo momento, ele nos chega sempre como mais um elemento a reforçar o estranhamento.
Creio ser fundamental pensar "O tubérculo" do ponto de vista narrativo, nas suas maneiras de contar a história. Em verdade, fica a impressão de que os diretores se recusam a avançar com a história, caindo em constantes reiterações de aspectos já trabalhados anteriormente. Ao que tudo indica, a pretensão deles é a de tentar contar a história por meio de ideias provenientes das diversas camadas inseridas no filme, não só na imagem (que sempre flerta com o incômodo), como na narração (a voz alterada em off da vó é um bom exemplo) ou nas interpretações antinaturalistas dos atores e atrizes.
Outra camada importante do filme é a da diversidade sexual, que embora discreta na imagem (jamais o filme descamba para um universo queer), este fato se constitui um importante marco de virada da história. Se o personagem sai da cidade de Andradina por conta da descoberta pela avó de sua relação homossexual, a sua volta à cidade natal demarca uma oportunidade de reaproximação com o amor de infância e quem sabe um possível reatamento. Outro aspecto interessante é como uma determinada personagem, a de uma cantora, funciona ali como um elemento para ajudar a contar espiritualmente a história, além de poluir as cenas com toques nitidamente bregas, que mais uma vez provocam um estranhamento no âmbito da construção narrativa.
E o que dizer do Tiranossauro que invade constantemente a tela como se pudesse ainda estar vivo? Creio que essa presença seja uma das mais simbólicas do filme, que muito diz sobre a arqueologia conservadora daquela sociedade racista, homofóbica e provinciana. Volta e meia, uma atmosfera de enclausuramento se impõe, assim como a aparição da IFF (Insônia Familiar Fatal), doença que atormenta a família do protagonista Gustavo. O filme, então, vai se constituindo por meio dessas ideias, mais de simbolismos do que propriamente de uma ação que empurra a história para frente.
Do ponto de vista do espectador, "O tubérculo" caminha lá com suas dificuldades, já que o estranhamento narrativo toma conta do avanço da história na tela. Apesar de no plano narrativo haver uma dificuldade, já que a linguagem experimental e simbólica predominam na maior parte do tempo, no plano do entendimento da história, não há grandes assombros no processo de compreensão, já que as reiterações facilitam esse entendimento. O mais estranho mesmo está no plano final, onde vemos uma médica, no futuro, explicando mais uma vez a história do filme, em mais um exercício de reiteração desnecessário e que de certa maneira trai o espírito experimental pretendido pelos diretores desde o início e salientado plano a plano.
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