Texto de Marco Fialho
"Paloma", dirigido por Marcelo Gomes, é uma pérola do cinema contemporâneo brasileiro. De uma vez só o filme seduz e aperrreia, sendo doce e amargo na mesma medida. "Paloma" revela um Marcelo Gomes maduro como diretor que sabe manipular a narrativa ao seu bel prazer, que flerta com os nossos sentimentos, sem jamais negociar com eles, um mestre a nos brindar com um cinema pleno e questionador, de quem sabe onde quer chegar.
Apesar das dificuldades inerentes à vida de Paloma, uma agricultora que faz bicos como cabeleireira, tem uma vida familiar que beira a perfeição, mas carrega consigo um sonho tipicamente comum a muitas mulheres: a de casar de véu e grinalda na igreja. Marcelo Gomes trabalha muito bem esse desejo e com todas as contradições e barreiras postas pela sociedade quando você é uma mulher trans. O trabalho de Kika Sena é primoroso, um dos mais cativantes que eu já vi em nosso cinema. Ela alterna contenção e emoção com firmeza e precisão, um trabalho de atuação raríssimo de encontrar por aí.
Paloma trabalha, ama, cuida da filha, se vira como pode, deseja e sonha como qualquer uma das mulheres brasileiras. Mas porque então a sociedade a quer cercear de viver como todos vivem, e fundamentalmente, de fazer tudo às claras como qualquer outra mulher? Por que ela precisa esconder sua relação amorosa, como se fora algum mal? Tudo corria até bem em sua vida, até o momento em que ela aspirou um casamento como tantas outras mulheres também anseiam. Paloma quer mais, como todos, todas e todes assim o querem. Paloma quer seus direitos de mulher e luta vigorosamente por isso, a sociedade é que mude, não ela. Marcelo Gomes mostra em "Paloma" o quanto a transfobia e o transfemicídio são um veneno a serem extirpados da sociedade, crimes hediondos que precisam ser fortemente combatidos pelo coletivo. O silêncio da sociedade é o segundo crime após o crime. "Paloma" responde a isso tudo com muito amor. O filme tem muitas cenas de amor, de afeto ora transbordante e carnal ora delicado, como o de uma mão segurando carinhosamente outra, ou quando Paloma olha de baixo para cima com ternura para Zé enquanto acaricia o seu cabelo (uma das primeiras cenas e a que nos conquista de vez), que ouso dizer, uma das mais bonitas e puras do cinema brasileiro.
Marcelo abre o filme apenas com sons vindos de um prazer sexual e de cara põe as cartas na mesa. Mostra corpos se amando como se dissesse de início que os corpos se amam e que esse impulso mais do que uma necessidade é incontrolável e irrevogável. Depois conhecemos Paloma. Como não ama-la desde a primeira cena, como não se afeiçoar a ela? Ela é uma mãe exemplar da menina Jennifer (Anita de Souza Macedo) e uma esposa maravilhosa e afetuosa para o marido Zé (Ridson Reis).
Apesar das dificuldades inerentes à vida de Paloma, uma agricultora que faz bicos como cabeleireira, tem uma vida familiar que beira a perfeição, mas carrega consigo um sonho tipicamente comum a muitas mulheres: a de casar de véu e grinalda na igreja. Marcelo Gomes trabalha muito bem esse desejo e com todas as contradições e barreiras postas pela sociedade quando você é uma mulher trans. O trabalho de Kika Sena é primoroso, um dos mais cativantes que eu já vi em nosso cinema. Ela alterna contenção e emoção com firmeza e precisão, um trabalho de atuação raríssimo de encontrar por aí.
Brilhantemente Marcelo Gomes trabalha a sociedade como um pano de fundo, que lentamente vai mostrando sua face hipócrita e conservadora, embora desde o início nas relações de trabalho esse viés ameaçador já se fizesse presente. A construção de uma nova sociedade, mais inclusiva e com cada um podendo ser o que verdadeiramente é, está entre os papéis que o cinema pode participar. Há em "Paloma" uma humanização dessa personagem, nota-se que Marcelo Gomes foge de esteriotipa-la e a constrói como um ser afetivo e sociável. O diretor, que também é um documentarista bem-sucedido, se aproxima muito da narrativa documental, o que acrescenta muito ao filme, por fazê-lo adentrar ao mundo real. A direção de arte do experiente e talentoso Marcos Pedrosa, colabora muito para naturalizar os espaços cênicos e os figurinos dos atores. "Paloma" afirma Marcelo Gomes como um cineasta maduro, que sabe equilibrar com elegância o arco dramatúrgico da personagem. Há momentos de alegria, realização profunda, de decepção e esperança na trajetória de Paloma, porém o mais importante nunca falta, a luta dela para ter uma vida digna e sem precisar da benevolência de ninguém. Ela quer ser ela e nada mais. E claro que esse nada mais se torna um problema para os outros que não querem a aceitar tal como ela é.
Paloma trabalha, ama, cuida da filha, se vira como pode, deseja e sonha como qualquer uma das mulheres brasileiras. Mas porque então a sociedade a quer cercear de viver como todos vivem, e fundamentalmente, de fazer tudo às claras como qualquer outra mulher? Por que ela precisa esconder sua relação amorosa, como se fora algum mal? Tudo corria até bem em sua vida, até o momento em que ela aspirou um casamento como tantas outras mulheres também anseiam. Paloma quer mais, como todos, todas e todes assim o querem. Paloma quer seus direitos de mulher e luta vigorosamente por isso, a sociedade é que mude, não ela. Marcelo Gomes mostra em "Paloma" o quanto a transfobia e o transfemicídio são um veneno a serem extirpados da sociedade, crimes hediondos que precisam ser fortemente combatidos pelo coletivo. O silêncio da sociedade é o segundo crime após o crime. "Paloma" responde a isso tudo com muito amor. O filme tem muitas cenas de amor, de afeto ora transbordante e carnal ora delicado, como o de uma mão segurando carinhosamente outra, ou quando Paloma olha de baixo para cima com ternura para Zé enquanto acaricia o seu cabelo (uma das primeiras cenas e a que nos conquista de vez), que ouso dizer, uma das mais bonitas e puras do cinema brasileiro.
"Paloma" é sobre um ser maravilhoso e intenso, sobre um corpo que festeja o prazer e corre atrás da sua felicidade, por isso é um filme sobre afirmatividade. Paloma é uma mulher plena, linda e vive sem medo seus sentimentos. Marcelo Gomes evidencia isso em uma linda cena em que ela toma um banho de chuva numa clara homenagem ao filme "A falecida" de Leon Hirszman, quando a personagem de Fernanda Montenegro brinca, em catarse, com a chuva no quintal de sua casa. A chuva e as personagens como forças da natureza, ambas lavando corpo e alma. Há em "Paloma" um misto constante de cenas duras com outras mais otimistas. Marcelo parece mirar não só no presente, mas também no futuro. E assim saímos da sala de cinema, com uma esperança de que o futuro possa ser diferente e mais empático para as trans no Brasil.
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