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AS VINHAS DA IRA (1940) Direção de John Ford


Sinopse:

Inspirado no clássico livro de John Steinbeck, o filme narra a história de uma família de trabalhadores rurais durante a Grande Depressão de 1929. Buscando oportunidades de uma vida melhor, Tom Joad, após cumprir pena, leva a sua família em uma pequena camionete de Oklahoma para Califórnia, onde dizem ser um lugar mais próspero e de maiores oportunidades. Durante a viagem, eles se deparam com a nova realidade, ao mesmo tempo que descobrem que o lugar para onde estão indo pode ser pior do que o deixado para trás.  

John Ford e a incorporação do homem comum à história dos Estados Unidos

Texto de Marco Fialho

Após ter trabalhado com Henry Ford no magnífico "A mocidade de Lincoln" (1939), John Ford retoma a parceria com o ator em "As vinhas da ira", com base no clássico da literatura de John Steinbeck. A história do filme se passa no auge da Grande Depressão no final dos anos 1920, onde uma família de arrendatários é expulsa de suas terras no norte dos Estados Unidos e parte em um calhambeque para buscar emprego no sul, mais especificamente na Califórnia. Ford construiu o filme como um road movie, no qual a família, sem teto, tem de enfrentar obstáculos de toda a ordem no percurso da estrada. No meio do caminho os mais idosos tombam e os mais novos vão se virando como podem. 

O filme, assim como o livro de Steinbeck, gira em torno de três personagens-chave: Tom Joad, Casy e Mãe Joad. Tom está retornando para a família após um período de quatro anos na cadeia, Casy é um ex-pregador religioso e Mãe Joad é a matriarca lutadora que não mede esforços para manter sua família. Todos são lançados à famosa Rota 66 rumo a uma Califórnia idílica. Mais uma vez, Ford aproxima-se de Homero ao narrar essa odisseia familiar, lembrando que dado o momento histórico analisado, poderia ser qualquer uma já que várias passavam pelos mesmos problemas econômicos. 


Quando as economias da família estão minguando, eis que surge uma oferta de trabalho em uma colheita de pêssegos, só que eles terão de substituir os trabalhadores que estão em greve na plantação. Entre os grevistas está Casy, interpretado de modo marcante por John Carradine, um antigo pregador de Oklahoma, que acaba envolvendo Tom Joad em uma briga de capangas. O resultado desse conflito é que a família se vê obrigada a cair novamente na estrada para aportar em um acampamento do governo que os acolhe muito bem. Mas chega o dia em que o passado persegue a família com a procura do filho que participou da briga no antigo acampamento. O filho se vê obrigado a fugir enquanto o restante da família vai colher algodão em uma fazenda do norte. 

O realismo, tal como Steinbeck já anunciava em sua obra literária, invade incisivamente a obra de John Ford, característica de denúncia social não muito comum em sua extensa filmografia. A aproximação de Ford com o popular sempre se deu pelo viés da cultura, dos festejos e cantos dos menos afortunados, além de seu incansável espírito de luta, o que pode ter atraído o diretor para esse projeto. O retrato traçado por Ford da sociedade norte-americana é de profunda desagregação. De uma hora para outra, pessoas do campo são arremessadas à mercê da estrada nesse momento de crise econômica típico da Grande Depressão do período. A morte dos avós simboliza muito o processo de deterioração familiar, quando ocorre a perda de uma referência física fundamental, nesse caso, a do lar. 


Para ratificar a crença e admiração de Ford pela luta do povo como criador de sua própria história. No discurso final há uma clara menção a essa capacidade de superação e esforço do homem comum e seu papel na construção da sociedade dos Estados Unidos. Há uma fala paradigmática de Mãe Joad, matriarca da família, que sintetiza tudo isso: "os ricos nascem, nascem, morrem e seus filhos também não prestam e desaparecem. Mas nós continuamos. Somos nós que vivemos. Eles não podem acabar conosco, não podem nos vencer. Nós viveremos para sempre, porque nós somos o povo". Pode parecer que essa fala está eivada de ingenuidade, mas não vejo assim. Para mim, é uma incorporação dos mais humildes na construção de uma grande nação, como parte importante de uma grande engrenagem. É a tentativa de reconciliação de uma sociedade profundamente dividida entre ricos e pobres. Com "As vinhas da ira", Ford se desvincula um pouco da imagem de que apenas é capaz de dirigir obras-primas de faroeste, e demonstra ser um artista múltiplo e capaz de realizar obras com um viés mais contemporâneo.                              

Comentários

  1. Ótimo texto! Foi como fazer uma revisão do livro que li. O filme parece bastante fiel à obra prima de John Steinberg!

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