Pular para o conteúdo principal

ZIMBA (2021) Direção de Joel Pizzini


Sinopse:

O filme aborda a trajetória artística e existencial do ator e diretor de teatro, Ziembinski, que ao denunciar o nazismo com a peça “Genebra” de Bernard Shaw é obrigado a fugir da Polônia. Após sua fuga, chega por acaso, ao Brasil onde se encontra com Nelson Rodrigues e monta Vestido de Noiva (1943), que revoluciona as artes cênicas no país. Narrado em primeira pessoa, a partir de vasto material de arquivo e com participações das atrizes Nathalia Timberg, Camila Amado e Nicette Bruno, o filme recupera performances de Ziembinski no cinema, novelas e teleteatros através de um diálogo cine-teatral. Apelido carinhoso recebido no país que o adotou, "Zimba" celebra a arte e o ideário do primeiro encenador “brasileiro", criador do teatro moderno e inovador da televisão latino-americana.

A história encantadora de um polonês bem brasileiro

Texto de Marco Fialho

Uma das contribuições que o documentário pode dar à humanidade é a de trazer à luz personagens que passaram pela Terra e deixaram expressivos trabalhos, mas que talvez gerações mais novas sequer conheçam, ou quando muito, apenas ouviram falar porque tal nome está a batizar um teatro ou qualquer outro Centro Cultural. É o caso do diretor e ator polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978), que sedimentou a sua carreira artística no Brasil, com presença marcante na televisão, cinema e sobretudo no teatro, do qual dificilmente se consegue contar uma história sem citar o nome desse brilhante artista.

A tarefa de retratar Ziembinski ficou a cargo do cineasta Joel Pizzini que privilegia fazê-lo dando voz ao próprio e seus principais parceiros que narram vários episódios da carreira dele. Um dos méritos de "Zimba" é o de não querer abarcar a vida toda de Ziembinski, escolhendo momentos cruciais que montam um painel qualitativo da sua trajetória artístico-existencial. Outro destaque do filme é a ótima pesquisa de material de arquivo realizada por Antônio Venâncio, que consegue resgatar imagens de Zimba tanto na Polônia quanto no Brasil, em participações históricas no teatro, cinema e televisão.


Apesar de conhecido pelos trabalhos experimentais, Joel Pizzini volta e meia arrisca-se também no documentário, e com resultados exitosos, como em "500 almas" e "Olho nu". Em "Zimba", Pizzini mais uma vez opta por uma montagem que se desvincula da ordenação temporal, embaralhando épocas e nos deixando usufruir das memórias afetivas e artísticas de Zimba em ação como diretor e ator, sempre a demonstrar um talento que salta aos olhos de todos, fora o respeito profundo pelo país que o acolheu quando ainda jovem precisou fugir da fúria de Hitler.

Ziembinski levou a sério o projeto Brasil e estudou a nossa língua como tal perfeccionismo, que mal dava para suspeitar que ele era um estrangeiro. Ele dizia que não tinha como dirigir uma peça sem conhecer com exatidão a língua portuguesa, já que para Zimba o segredo da boa direção era saber dar ênfase, pausa e entonação a cada palavra proferida por um ator ou atriz. Pizzini centra muito sua análise no Ziembinski como diretor, função na qual ele demonstrava um talento ímpar. Foi ele, o primeiro diretor a descobrir e montar as peças de Nelson Rodrigues, que muitos diziam eram de difícil montagem. Zimba mostrou o quanto valoroso era Nelson, o quanto o seu teatro era fascinante e provocador.


Com "Zimba", Joel Pizzini deixa claro o quanto é impossível contar a história do teatro brasileiro sem citar o nome de Ziembinski, pois a base do teatro moderno brasileiro nos anos 1950, o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), foi o lugar onde ele deixou uma marca indelével. Outra participação importante foi a presença de Zimba na Companhia Vera Cruz de Cinema, na mesma época. Essas experiências levaram o diretor para a televisão onde pode se consagrar primeiro como diretor, depois como ator. 

"Zimba" é um desses documentários encantadores, que torcemos para não acabar, que passam como um sopro sobre nossos olhos, bem quando ainda estamos a nos deliciar com as histórias maravilhosas e atuações inspiradas desse artista polonês, que se afeiçoou por nós na mesma medida que nos afeiçoamos por ele. Fez muito pelas nossas artes, contribuiu tanto e com grande qualidade, que precisamos tratá-lo com o devido respeito e carinho, homenageá-lo e lembrá-lo sistematicamente como brasileiro que também foi. E Joel Pizzini assim o fez em "Zimba" ao retratá-lo de maneira tão delicada e apaixonada, salientando o artista com a devida estatura que possui.


Lembro aqui da primeira sequência do filme, onde um personagem, interpretado pelo próprio Ziembinski, finge a própria morte para ver como os outros o tratariam depois dele partir desse mundo. Se, de início, ele fica feliz com as homenagens que lhe fazem, a seguir vê o quanto vai a cada dia caindo mais um pouco no esquecimento. Creio que essa cena muito diz sobre o papel de um documentário como "Zimba", o quanto ele impacta na nossa memória de um artista tão importante, e que foi tão atuante na vida cultural do país. Ao trazer "Zimba" novamente para perto de nós, Joel Pizzini ressuscita a imagem histórica desse magnífico personagem, que muito colaborou para o reconhecimento das artes no Brasil.

Visto em link cedido pela distribuidora do filme, em 21/09/2021.

Cotação: 3 e meio/5

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...