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DEDO NA FERIDA (2017) Direção Silvio Tendler

As veias abertas da globalização

Por Marco Fialho


Olhar para o Brasil dentro de uma ótica abrangente, pensando o país na lógica do mercado financeiro mundial é o ponto de partida deste “Dedo na ferida”, um típico documentário-tese, cujo diretor Silvio Tendler, é conhecido por realizar documentários políticos engajados, com nítidos posicionamentos ideológicos, recheados sempre por imagens históricas, com depoimentos de especialistas e agentes históricos envolvidos. Aqui ele observa os efeitos da globalização na sociedade brasileira que a cada depoimento vai desenvolvendo e alicerçando uma ideia sobre nosso desconhecimento acerca das forças que nos dominam e imobilizam.


Sua abordagem meticulosa consegue mesclar habilmente elementos de sociologia, economia, política e geografia de uma só vez. Depoimentos de especialistas em análises de conjuntura política e econômica se somam aos de trabalhadores que sofrem na carne as agruras de um sistema que se estrutura para atender uma pequena elite privilegiada e gananciosa. Silvio se esforça por inserir uma discussão do coletivo em um mundo todo montado para satisfazer a ambição desmedida de poucos banqueiros inescrupulosos e arrivistas. “Dedo na ferida” desmonta o discurso ideológico por trás dessa complexa máquina que sustenta o poder aristocrático. 

Cotidianamente, as elites constroem discursos falsos, que deslocam o eixo principal da discussão, jogando para as costas dos trabalhadores não só as consequências da crise econômica como também as motivações para que ela exista. Para o capital, os trabalhadores são causa e efeito da crise econômica. Assim, a manipulação do discurso torna-se o ponto central para que a população acredite em soluções que aumentam sua parcela de contribuição no contexto de instabilidade. 


Genericamente, são os direitos básicos da população os mais sacrificados. Enquanto os mais ricos crescem seus rendimentos, os mais pobres vão tendo suas vidas cotidianas pauperizadas. O resultado disso é o desemprego e o aumento das populações que vão viver nas ruas dos grandes centros. Essa concentração de renda faz com que a violência se torne cada vez mais sentida pela sociedade, que erroneamente passa a acreditar em discursos que frisam a política de segurança pública como o caminho para a resolução dos problemas oriundos das desigualdades e a discrepância entre ricos e pobres.


Assim, “Dedo na ferida” consegue levantar discussões atualíssimas sobre as grandes questões que sustentam historicamente tal situação de desigualdade, lhes dando uma visão crítica e um sentido mais profundo. O seu grande mérito é o de mostrar a nossa vida cotidiana sob ângulos que nunca a vemos, o que de certo, nos desconcerta positivamente. Mais uma aula de documentário-tese proporcionada por Tendler ao público.


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