Sinopse
Elias (Kelner Macêdo) é assistente em uma confecção de roupas no centro de São Paulo. Ele mantém pouco contato com a família na Paraíba e passa seus dias entre os tecidos do trabalho e encontros com homens. O fim do ano traz reflexões sobre possibilidades de futuro, reconexões com o passado e muitas horas extras, que acabam por aproximá-lo dos colegas da fábrica e consequentemente inseri-lo em novos círculos de amizade e cenários.
Por Marco Fialho
“Corpo Elétrico” é o nome do filme, mas logo no início verificamos que também poderíamos chamá-lo de corpos elétricos, pois são eles, os corpos os maiores protagonistas dessa obra impressionante, um misto de afirmatividade e leveza. Logo na primeira cena vemos dois corpos masculinos, nus, literalmente de pernas pro ar, livremente, falando sobre as levezas da vida. Essa imagem muito define esse filme, sua força e potência. Com ele fica-se a ideia que é possível falar de diversidade sexual sem traumas, com a devida naturalidade.
O ponto de vista aqui é o de um operário, não é de um burguês, e isso é outro aspecto relevante de ser tratado e que faz muita diferença. O formato tradicional de família não ocupa espaço nesse contexto e o personagem Elias (Kelner Macêdo) conduz toda a trama, ele torna-se o epicentro de todo o filme. De forma quase documental, o diretor acompanha o difícil cotidiano na fábrica de roupas onde trabalha e suas noitadas e baladas noite afora.
Enquanto o mundo do trabalho segue o velho ritmo de explorar ao máximo o trabalhador e dita regras de conduta (basta lembrar do chefe de Elias a enquadrá-lo em um discurso moralizador), o mundo dos trabalhadores fora do ambiente de trabalho é anárquico, livre de compromissos e questionador das instituições estabelecidas como casamento e sonhos ambiciosos para o futuro. É uma forma de consciência acerca dos limites impostos pelo mundo do trabalho e o desejo de viver o tempo livre com a firmeza e a alegria necessária, como uma resistência incorporada à maneira de se viver o tempo que lhe resta fora do aprisionamento inevitável da exploração do trabalho fabril. A última cena talvez sele de vez essa assertiva dos corpos livres e alegres que vivem a vida apesar de tudo. Afinal, o que representa o mar senão uma relação uterina e aconchegante de liberdade?O filme é uma antítese de um ascetismo, a vida mundana prevalece sobre tudo. As ambições profissionais parecem não figurar nesse universo. “Corpo Elétrico” não é um filme sobre a militância, ele apenas é a militância pelo mero viver dos personagens. Fecha com a causa, mas não a vende como projeto. Tudo ali é vivido com plenitude: trans, gays e lésbicas transitam na história tal como na vida. Esse é o grande projeto transformador de Marcelo Caetano, ao invés de trazer uma bandeira, ele prefere abraçar a necessidade do viver e de ser feliz, mesmo quando se admite o lado opressivo do mundo do trabalho. Prestem atenção na trilha musical desta obra, pois tal como os personagens ela incorpora as músicas com fluidez, no fluxo narrativo, sem forçar uma barra, destaque para os pagodes, a música eletrônica e a música papo reto de Lynn da Quebrada.

Uma das cenas mais potentes e comentadas de “Corpo Elétrico” é a da saída da fábrica. A câmera de Caetano desliza sob a trupe rumo as delícias da vida, passeia com tal desenvoltura que queremos estar naquele cotidiano, queremos ser cúmplices de sua beleza. Tudo soa tão espontâneo que só nos resta a fascinação. A mensagem de Marcelo Caetano é clara: o ser político de hoje faz política sobretudo com seu corpo, muito mais do que com discursos ou bravatas.
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