Por Marco Fialho
A distribuidora "Versátil" promove um dos lançamentos mais importantes para a memória historiográfica do cinema mundial, uma edição especial em blu-ray dedicada ao mestre italiano Michelangelo Antonioni, com 3 filmes basilares para o cinema contemporâneo: "O deserto vermelho" (1964), "Blow-up - depois daquele beijo" (1966) e "O passageiro - profissão repórter" (1975).
Além dos filmes estarem em cópia restauradas em alta definição, a Versátil caprichou nos extras. Dos quatro discos do box, um deles é inteiramente dedicado ao material extra de apoio. São 291 minutos de informações, entrevistas, depoimentos, trechos de documentário sobre Antonioni, making of , fotos, trailer, entre outros. O box ainda vem com um livreto com críticas (dos críticos Raphael Cubakowic e Rafael Amaral) dedicadas aos 3 filmes, além de cartaz de cada uma das obras. Um primor, um luxo, para lá de especial, vale cada centavo investido.
Junto com a trilogia da Incomunicabilidade (composta por "O eclipse", "A aventura" e "A noite"), esses três filmes aqui lançados constituem as obras mais importantes da carreira de Antonioni. Pode-se dizer que "O deserto vermelho" até compõe uma certa quadriologia da incomunicabilidade. Já "Blow-up", "O passageiro" e "Zabriskie Point" (1970) desenham uma trilogia acerca da identidade política no capitalismo.
Antonioni faz parte da geração mais expressiva da história do cinema italiano, despontada no cerne do chamado neorrealismo italiano no pós-guerra, que continha nomes como os de Fellini, Visconti, Rossellini, De Sica, Pasolini, Petri, Germi, Lattuada, De Santis, entre outros. No decorrer dos anos 1960, cada diretor foi adquirindo uma face própria, basta pensar aqui em Fellini, Pasolini e Visconti, apenas para citar alguns. Antonioni nesse período também desenvolveu a sua originalidade autoral e os seus 7 filmes citados acima, ratificam radicalmente essa ideia.
A crítica social sempre esteve no alvo do diretor, embora a crise de identidade seja o tema mais visível. Com Antonioni há uma afirmação de uma linguagem contemporânea para o cinema, com o uso sistemático de planos longos que trazem um incômodo ao espectador. Antonioni sempre pensou o cinema por meio do espaço e da arquitetura, de como a humanidade está em contínuo desacordo com os ambientes, por serem espaços tomados para interesses privados, e que logo também são abandonados ao bel-prazer desses interesses. Por isso, o vazio existencial faz parte da dinâmica de vida dos personagens de Antonioni. Esse dado geográfico está engendrado no próprio cinema de Antonioni, há uma cisão que se espelha no indivíduo, que encarna um desacordo com um determinado espaço que nos engole, nos imputando então a um desencanto. E "O Deserto vermelho" expressa muito bem dessas questões.
"Blow-up" e "O passageiro: profissão repórter" fazem parte de uma fase internacional do diretor, e indicam uma mudança de abordagem. Neles, uma crítica social se sobrepõe a uma crise existencial, mesmo quando essa última impulsiona essa crítica, caso claro de "O passageiro: profissão repórter". A vivência de uma crise sempre está presente nos filmes de Antonioni, como um fermento a crescer cena a cena, embora o cinema de Antonioni não trabalhe com grandes viradas, talvez uma exceção seja o bombástico e inesperado final de "Zabriskie Point".
De uma maneira geral, o cinema de Antonioni se situe junto ao de Bergman e Tarkovski (seu primeiro longa data de 1962) como introspectivos, voltados para os meandros mais profundos dos indivíduos, sem fazer concessão moral e alinhavando um pensamento cinematográfico rigoroso para dar forma a uma complexidade temática. Esses diretores são originais por conduzir em suas obras o drama social vinculado ao indivíduo, e isso gera uma potência em relação ao visionamento do público, por colocar em suspenso a sua própria vida, lhes tirando o chão durante a projeção.
Antonioni faz parte daqueles diretores imprescindíveis para quem exige que o cinema tenha uma contundência humana. Seus filmes nos fazem pensar não só sobre o mundo, mas também sobre o cinema, e talvez "Blow-up" seja um dos grandes documentos a questionar e ampliar a nossa visão acerca do papel da imagem no mundo contemporâneo. Antonioni é um desses realizadores raros e imperdíveis. E merece sim ser visto numa cópia em alta definição, para o deleite de todos nós.
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