Sinopse:
Um trabalhador braçal chega a Los Angeles e encontra um emprego em um edifício em construção. Em uma operação policial, parte do local onde mora é destruída, então ele encontra uns óculos escuros aparentemente comuns, mas ao usá-los consegue enxergar alienígenas disfarçados de seres humanos e as mensagens subliminares que eles transmitem através da mídia.
Desmascarando a estratégia de sedução capitalista
De maneira crítica, "Eles vivem" retrata o papel da mídia, em especial o caráter incisivamente ideológico assumido nos noticiários e filmes da década de 1980, salientando a massificação da informação por meio da televisão e da indústria cultural. Durante todo o período da guerra fria, a guerra da informação foi o sustentáculo dos sistemas políticos, que investiram vultosos recursos financeiros de modo que a informação chegasse sistematicamente à população em geral. O poder econômico capitalista se concentrou em grandes holdings, com empresas mais fortes controlando outras. Esse conglomerado de empresas se configuram de forma impessoal e se organiza como Sociedade Anônima (S/A), uma extraordinária forma de os subalternos não saberem quem exerce o comando.
Seguindo essa tendência, os canais de televisão foram organizados em grandes redes corporativas que comandam todas as instâncias da informação, do jornal impresso ao canal a cabo, passando pelo canal aberto e a internet. Essas corporações da informação se associaram por sua vez a empresas igualmente grandes e fortes economicamente, formando grupos gigantescos que extrapolaram a noção de territorialidade e passaram a se desenvolver no plano internacional, globalizando suas ações e mercado. Os interesses políticos desses megaempresários os tornaram muito poderosos.
"Eles vivem" propõe uma reflexão sobre o poder das comunicações na vida das pessoas, nos faz pensar sobre nosso cotidiano aparentemente frugal, associando os interesses do poder econômico privado, que nos induz ao consumismo voraz e predatório, à política de informação. Surpreendente que essa crítica vivaz do capitalismo, venha a ser consumada por um filme que assenta seus princípios estéticos no filme B de ficção científica dos anos 1950. Mas talvez isso, antes de causar um demérito à obra até a engrandeça.
Interessante notar como o artifício dos óculos escuros é tão potente no filme. O que eles representam no filme? Não seriam os tais óculos escuros o elemento que nos oblitera a visão? Valem lembrar também que o personagem de Roddy Piper, o protagonista, é um homem comum, um peão de obra que vive apenas para labutar e construir as bases da nação norte-americana. A atuação de Roddy Piper foi muito criticada, mas a escolha de Carpenter não tinha a ver com seu talento interpretativo. Pipier ganhou fama em programas de luta livre na TV, como um dos vilões de aparência rude e imponente. Imageticamente, sua compleição musculosa instaurava uma contradição em si, uma espécie de Rambo às avessas, um personagem que apesar de ser a cara pretendida para a América institucionalizada era a que iria combatê-la, pois no fundo, o personagem de Roddy Piper representava todos que vivem imersos no mundo do trabalho e que são envolvidos pela sedução do consumo, uma estratégia de poder vendida pelos detentores dos meios de informação, aliados às corporações econômicas controladoras do mercado e dos meios de produção.
A potência do filme está justamente nesse ponto, em trabalhar diretamente no conceito de alienação, em mostrar que o mundo que vivemos é assentado pelas aparências e que temos que prestar atenção às mensagens subliminares das propagandas propagadas pelo sistema. A ideia de que o sistema informa uma coisa para nos esconder tantas outras é fantástica, ainda mais que esse mundo do faz de conta encobre uma dominação alienígena, aqui com uma visível correlação crítica às grandes corporações financeiras e econômicas. Há uma analogia muito forte em relação às teorias que questionaram o próprio princípio constitutivo capitalista de enganar e atrair o consumidor pela aparência da embalagem. Um exemplo muito claro disso são as máquinas: em um relógio ou em um carro não vemos justamente as engrenagens que lhes dão sentido, mas sim os designers de cada produto, o seu invólucro atrativo.
A grande análise que Carpenter realiza nesse aparente e despretensioso filme que mescla ficção científica, aventura e horror está na capacidade que ele tem de desvendar os meandros da sociedade consumista e hipócrita que vivemos. Sim, "Eles vivem" é uma obra não só sobre o hoje, mas sobre as estratégias que mantém os inescrupulosos capitalistas no poder. Filmado no final dos anos 1980, na famosa e agressiva Era Reagan, onde as grandes corporações financeiras cresceram como nunca antes visto. "Eles vivem" espelha de maneira cruel, visceral e sem rodeios os mecanismos perversos da dominação, os pormenores soturnos da sedução imagética do capitalismo. Ele nos tirou os véus e o que vimos então não é nada alentador, pode-se até dizer que é assustador, pois nesse espelho que esse filme se propõe ser, nos deparamos em especial com uma imagem crua da miséria moral cuidadosamente orquestrada pelas classes dominantes. Com "Eles vivem", as belas máscaras do consumismo vem abaixo.
Cotação: 4/5
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