Pular para o conteúdo principal

NOSFERATU - Direção F. W. Murnau (1922)

E o cinema descobre Drácula

Por Marco Fialho

Em 1922 o mundo se renderia ao talento de F. W. Murnau. Nosferatu torna-se um dos filmes mais influentes da história do cinema com uma história de horror, baseada em uma adaptação não autorizada da famosa obra Drácula de Bram Stoker.

O filme narra a história de um corretor de imóveis jovem e ambicioso que vende uma enorme mansão abandonada ao estranho Conde Orlock, um vampiro que tem como objetivo fazer como presa a esposa do corretor. Orlock sairá da Transilvânia para ser vizinho deles e conquistar de vez a mulher pretendida. Mas no caminho entre a Transilvânia e a mansão adquirida, o Conde Orlock deixa um rastro de destruição e morte, o que faz todos pensar tratar-se de uma nova peste que assola a região.

Mesmo trabalhando em locações ao invés dos cenários, a obra de Murnau ainda guarda algumas características do período caligarista do cinema alemão, mas o parentesco pode ser admitido mais pelo espírito do que pela parte visual do filme. Talvez as semelhanças físicas que mais nos salta aos olhos sejam a atuação de Max Schreck como Nosferatu e o uso de sombras como artifício cênico.


Murnau é um dos primeiros diretores deste período a se desgarrar da obsessão pelos cenários, embora haja ainda um apego à faceta sinistra e mórbida típica dos enredos expressionistas, sendo "Nosferatu" um filme que projeta Murnau como um dos grandes criadores do cinema alemão dos anos 1920.

Apesar da história do filme ser descaradamente inspirada na obra de Bram Stoker, a produção não tinha os direitos para a filmagem, por isso não o credita. Mas para quem assiste a "Nosferatu" não resta dúvida, não há referências ou inspiração, mas sim adaptação ao pé da letra do famoso Drácula de Stoker.

Mas sem dúvida, a atmosfera fantástica de Nosferatu o aproximaria à concepção espiritual do expressionismo, em detalhes expressivos, como o apreço pela atmosfera gótica; pelo visível apego ao decadentismo medieval; pela figura diabólica e sinistra do Conde Orlock; pelo abuso fotográfico no uso das sombras; e pelas interpretações hiperbólicas dos atores.

O papel da maquiagem é fundamental na construção imagética do filme, ela confere expressividade na atuação dos atores. Max Schreck, o intérprete do Conde Orlock, muito se faz valer da maquiagem para salientar o aspecto sinistro de sua própria imagem física. O olhar também se configura como um poderoso recurso cênico. A presença dos olhos esbugalhados, típica da estética expressionista, realça a atmosfera lúgubre da história.

O trabalho corporal de Max Schreck também funciona na composição do personagem. Gestos lentos, passos curtos e corpo curvado fazem parte do escopo do personagem. Os seus braços teimam em ficar colados ao corpo, como se ainda estivessem presos ao caixão. Nosferatu possui uma aparência frágil, esquelética, mas o seu poder vem de uma hipnose, por isso também há um enfoque especial nos olhos, parte do corpo onde se localiza e reforça o exercício de seu poder.  

Apesar de o elemento mórbido ser por demais acentuado, Murnau consegue extrair da mise-en-scéne momentos poéticos e belos, como no momento final, o da morte do Conde Orlock. Com uma simples, rápida e singela imagem de um galo cantando ele nos revela o nascer do dia e a impossibilidade da fuga de Orlock. Para Murnau até as criaturas mais sinistras se perdem por amor. Inebriado e atraído por um sentimento incontrolável perante a bela moça, Orlock se esquece do nascer do dia e ao olhar para os raios solares se evapora, como fumaça no ar. 

Esse impressionante Nosferatu de Murnau serviu de inspiração a diversos filmes de horror, em especial os de vampiros e outros monstros fantásticos, que se tornaram um filão significativo na indústria do cinema em todo o mundo, em especial na de Hollywood. Mais de 50 anos depois, em 1979, um dos maiores representantes do novo cinema alemão, Werner Werzog, realizou uma pródiga homenagem ao imortal gênio de Murnau, com uma refilmagem desse memorável clássico, tendo Klaus Kinski e Isabelle Adjani como astros.

Texto escrito em 2013 para a mostra "Sombras que assombram", em homenagem ao expressionismo alemão no cinema.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...