Entre Deuses e Sísifo
O fenômeno dos youtubers, ou influenciadores digitais
como alguns gostam de chamar, precisa ser entendido com urgência, dado o papel
que exercem hoje na sociedade. O documentário “You Tubers” dirigido pela dupla
Bebeto Abrantes e Sandra Werneck dá passos importantes para o início de uma
conversa sobre o tema. E já no título do filme eles chamam atenção para um ponto fundamental, ao colocar esse neologismo youtuber em outra perspectiva, como
um nome composto que reúne duas palavras que trazem dois aspectos cruciais: o do
indivíduo (you) e a da comunicação (tuber). Sim, há nesse neologismo política,
e mais ainda ideologia, e é sobre isso que quero falar neste texto.
O filme parte de quatro youtubers brasileiros, e precisamos
vê-los em conjunto, porque assim pensados falam muito acerca da visão que os
diretores Bebeto Abrantes e Sandra Werneck querem construir com o documentário. Mas quero evidenciar que falarei
também de elementos que estão na borda da construção fílmica, de detalhes que
permeiam a obra e as escolhas dos diretores.
E começarei pelo(s) tema(s). Todos os quatro escolhidos estão
envolvidos fortemente numa reflexão crítica sobre a sociedade brasileira.
Spartakus Santiago discute mais frontalmente o preconceito racial e LGBTQI+; Jout
Jout é uma mochileira e militante feminista; Rita Von Hunty uma persona interessantíssima
que usa do humor para introduzir temas sociológicos e políticos seríssimos,
sempre muito bem embasados; e Apóstolo Arnaldo é um comediante que criou uma
igreja evangélica para zoar e criticar os pastores que se preocupam mais em
enriquecer do que pregar a palavra do evangelho. Todos são personagens que
dominam o meio, vivem de mídia e da imagem que forjam de si mesmos. E isso em
si já traz um desafio para o filme, não se perder entre o que eles dizem e o
que os diretores querem dizer sobre isso.

Conforme estamos pensando, o meio se imbrica com o tema, já
que não se pode pensar a ideia sem a forma que a conforma. As ideias expostas
são fundamentais para refletir a sociedade tal como foi e está forjada pelas
elites do atraso, que estabelecem estratégias para continuarem exercendo o
poder. O filme navega e se entrega a cada personagem e permite que certas contradições
escapem pelas bordas. Os diretores reforçam os discursos que põem os pingos nos
is no sistema opressor e conseguem, em algumas cenas, selecionar falas que mostram
as preocupações de alguns personagens perante o que representa os likes e o
aumento de mais seguidores, o que eles representam e alimentam, isto é, o
próprio sistema. O mais sinistro nisso tudo é que, na aparência, são as
personas os “grandes protagonistas” desse mundo, onde os que mandam e
enriquecem se escondem nas sombras das sociedades anônimas. O capitalismo não
poupa ninguém, muito menos quem sonha em derrubá-lo se utilizando das
ferramentas que o sustentam.
Não por acaso, esses youtubers fazem parte de uma nova forma
de exploração capitalista, assim como os entregadores de aplicativo (os uber,
ifood, etc), são os novos operários da contemporaneidade, como Sísifo eles
carregam as pedras morro acima, como se ascender fisicamente os transformassem
em Deuses. A ilusão é o maior ardil do capitalismo e funciona como um lindo véu
de noiva a ocultar o maquinário que faz a estrutura girar.
Visto em link, no dia 30/08/2020.
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