OS SETE SAMURAIS - (1954) *
Não
há nada em minha
Choupana
na primavera.
Simplesmente
há tudo.
Sodô
(1642-1716)
A história do filme é bem simples. Um grupo de camponeses contrata samurais para defendê-los de bandidos que roubam periodicamente quase toda a sua produção agrícola. No início há uma desconfiança por parte dos camponeses em relação aos samurais contratados, mas aos poucos os dois grupos fortalecem seus laços de afetividade e confiança. Os samurais ensinam aos camponeses a arte da guerra para que eles possam colaborar na defesa de sua comunidade. E essa simplicidade na história não é casual. Kurosawa sempre disse querer fazer de Os Sete samurais fundamentalmente um filme de entretenimento e para isso o enredo tinha que ser de fácil compreensão. Muito se deve ao personagem de Toshiro Mifune a leveza que emana do filme.
Os
Sete Samurais talvez seja o filme em que a dupla Takashi Shimura e Toshiro Mifune
tenham o seu melhor desempenho. Mifune interpreta o samurai cômico, que
funciona como o aspecto clown do filme, enquanto Shimura faz o líder dos
samurais com sua entrega dramatúrgica habitual. Kurosawa forja o personagem de
Mifune como um perspicaz observador. Seu personagem é quem consegue melhor ver
o quanto os camponeses estavam usando os samurais, ele descobre que os
camponeses escondiam as mulheres e alguns mantimentos importantes, inclusive o
saquê. Inicialmente, os camponeses são vistos pelos samurais, e por nós
espectadores, como indefesos, vítimas incapazes de reagir aos usurpadores. Tais
como os mocinhos do faroeste, os samurais chegam ao lugarejo impondo justiça,
utilizando a força contra os vilões, mas tal um filme clássico de faroeste, depois
vão embora do vilarejo assim que cumprem sua missão. Kurosawa deixa claro seu
ponto de vista de que os camponeses ficarão libertos, já os samurais, continuarão
rondando sem destino pelo mundo, como fantasmas, esperando para quem sabe ascender
aos céus.
Existiu um grande cuidado de Kurosawa na construção de cada um dos sete samurais. Cada samurai foi composto com características que o diferenciava dos restantes. Isso fortaleceu a ideia de que não pode existir um arquétipo de samurai, mas sim, que enquanto sujeito que é dotado de idiossincrasias. Para Kurosawa, um samurai era essencialmente um ser humano, dotados de personalidades desiguais, jamais seres monocromáticos, mas sim cheios de nuances como acontece em qualquer situação ou contexto histórico. Esse foi um grande mérito de Kurosawa como diretor, o de humanizar um homem treinado para ser um guerreiro frio e calculista, adentrar nesse universo de concepções históricas pré-estabelecidas e pré-concebidas, lhe dando tonalidades mais complexas. "Os sete samurais" também pode ser visto como um filme sobre o mundo das aparências. Nada do que vemos no início é exatamente o que é. História e personagens se metamorfoseiam e sugere uma reflexão sobre o mistério da vida, de que só vivendo descobrimos as coisas. Ele trabalha o mundo e a complexidade de vivê-lo, amplia a ideia de poder que trazemos conosco e o quanto ele está enraizado em cada um de nós.
Mas ao fazer um típico jidaigeki, Kurosawa não queria que ele soasse um filme-museu, isto é, queria realizar algo essencialmente vivo. Como bem sinalizou o pesquisador Donald Richie um filme que não se limitasse à simples reconstrução histórica, habitada por personagens-padrão, mas que insistisse na validade do passado e no significado contínuo histórico. Como parte dessa reconstrução histórica complexa, de um passado que possui um elo com o presente, a música épica e monumental de Fumio Hayasaka é uma parceira inconteste. A criação musical parte de temas típicos da época reconstituída, mas a eles são acrescidos um toque sinfônico contemporâneo. Esse contraste cria um descompasso rítmico interessante, que ora nos arremessa ao passado e ora nos puxa para o presente, em um complexo jogo sensorial que prende a atenção à narrativa do filme.
Não
só a música, mas a criação sonora como um todo é espantosa. A parte final do filme,
quando as batalhas finais acontecem, a música praticamente desaparece e surge
então sons envolventes. A chuva, as poças de lama, o cavalgar dos cavalos, as chambarras
e os gritos dos guerreiros alicerçam essa parte final e formam uma sinfonia
própria, preenchem e acentuam o realismo das cenas de luta. A montagem de Os
Sete Samurais muito tem sido citada como sendo inspirada no mestre russo
Serguei Eisenstein, de quem Kurosawa era profundo admirador. Os planos de curta
duração com muita movimentação e montados em sequência, aceleradamente,
fomentaram essa comparação entre a obra japonesa e as célebres cenas filmadas
nas escadarias de Odessa. Kurosawa jamais temeu esse tipo de comparação entre
suas obras e as de outros cineastas, nem mesmo os ocidentais, muito pelo
contrário, sentia-se mais engajado nessa história do cinema na qual o Japão
sempre participou perifericamente, mas na qual ele Kurosawa sempre se sentiu
partícipe, nem que fosse só pela sua visão sobre o cinema. Não à toa, foi o grande
responsável pela inserção do Japão no panorama cinematográfico mundial.
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!