A cachoeira cinematográfica de Humberto Mauro ou "o progresso é antifotogênico".
Por Marco Fialho
Assistir ao filme "Humberto Mauro" em pleno Festival de Brasília foi uma experiência fantástica. O diretor, Andre Di Mauro, é sobrinho-neto de Humberto Mauro e realizou uma obra inteiramente apaixonada, carregada de emoção, e esse sentimento fez com que o afetivo prevalecesse favoravelmente na abordagem.
Há uma escolha por uma narrativa bem fluida, onde é dada prioridade a uma série de imagens dos filmes do célebre diretor mineiro entremeada com depoimentos dele mesmo. A ausência de depoimentos de conhecidos ou de pessoas que trabalharam com ele pode ser considerado um dos trunfos e triunfos do filme, pois não se buscou realçar o valor de Mauro pela voz de outrem, mas sim exclusivamente pela sua própria, mérito do diretor.
Ver e ouvir Humberto Mauro são os poucos elementos que o filme nos oferece. Pode-se afirmar o quanto saudável e verdadeiro ficou o resultado final dessa obra. Nota-se ainda o quanto a montagem do diretor constitui uma peça fundamental para se refletir acerca de seu cinema.
Mauro durante sua longa trajetória mostrou-se muito sensível e atento a tudo que ocorria a sua volta. Sua relação afetuosa com o mundo impregnou o seu cinema. Antes de tudo era um grande observador, em especial da natureza e seu aspecto fugidio. Segundo ele, "se você não filma a natureza tal como ela se apresenta já era. Por isso a gente tem que surpreender a natureza, pois nunca mais ela será a mesma. Para filmar uma cachoeira eu me escondo atrás de uma árvore". E ele ainda completava assim essa sua ideia acerca da natureza: "o progresso é antifotogênico".
O documentário de Andre Di Mauro explora bem o quanto a história de Humberto Mauro se confundiu com a do cinema brasileiro. Embora tenha iniciado sua carreira ainda no cinema silencioso, ela se estendeu e avolumou também no cinema falado, até o final de sua longa vida cinematográfica. Seu papel no INC (Instituto Nacional do Cinema) a partir de 1936, possibilitou que pudéssemos nos enxergar culturalmente. Mostrou que falar do regional era também esmiuçar e participar do nacional. Pensar Mauro é lembrar do nosso movimento modernista, pois foi isso que ele fez pelo nosso cinema, colocá-lo na pauta modernista. Foi talvez para o audiovisual, o que foi Mario de Andrade para a musicologia e a literatura.
Enfim, falar desse ícone, precursor dos mais profícuos do nosso cinema sempre será fundamental e oportuno. Se Mário Peixoto, com seu clássico "Limite" (1931), nos trouxe uma visão vanguardista para o nosso cinema, Humberto Mauro nos deu uma proposta de representação ampla a partir das imagens poéticas sobre nós mesmos, fez um mergulho épico e sensual em nossas mais profundas águas. Por isso, nunca é demais lembrar sua mais famosa fala: " o sujeito vê uma cachoeira e pensa em cinema. Cinema é cachoeira". E assim, com Humberto Mauro foram plantadas as raízes do nosso cinema, como bem lembra o inestimável pesquisador Alex Vianny.
Visto no Festival de Brasília, dia 22/09/2018.
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