Renomeando os corpos: o empoderamento do X e do Y
Crítica de Marco Fialho publicada na ocasião da exibição do filme no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2018.
O último filme a ser exibido na mostra competitiva foi Bixa Travesty e temos que dizer bem claro, causou, e muito por aqui nas terras poderosas do Planalto Central.
O poder agora é outro, é o da afirmação de identidade, ou de sua total dúvida, destruição ou mesmo o da desconstrução do próprio gênero humano. Como bem afirmou a personagem Linn da Quebrada em seu discurso, durante a apresentação do filme, "eu vim pra vencer, destruir. É claro que eles estão com medo, eu também estaria no lugar deles!".
Se muitos dizem que o filme documentário precisa de personagens fortes, esse não é o problema de Bixa Travesty, de Kiko Goifman e Cláudia Priscilla. Linn domina a cena do início até o último suspiro desse filme que é pura dinamite. Linn parece ter o controle de tudo e como uma âncora centraliza tudo nela. O filme acredita em seu discurso e se entrega a ela. São 75 minutos de um exercício de autocentrismo, de não perder o domínio da afirmação de sua auto-imagem.

Ao dar total espaço a Linn, os diretores a constroem como uma pensadora, uma ativista poderosa e com uma língua afiada. Aliás, língua é pouco. Quando falamos de Linn falamos sempre do corpo, pois assim ela se mostra, sempre inteira, seja com seu lado performático, seja como pessoa que tem consciência de que sua personagem já está para além de sua pessoa. É algo que está posto em um outro lugar. Nunca sabemos quando estamos diante de um discurso, pois a simples presença de seu corpo já parece efetivar um discurso.
O que o documentário faz é buscar o papel não do corpo de Linn perante o mundo, mas sim o de todos nós. O corpo, assim parece querer se ressignificar, ou melhor, precisa. Linn implode as discussões de gênero, o corpo não é algo sobre o qual precisamos nomeá-lo de algum jeito, ele simplesmente o é. Depilar e tomar hormônios são dúvidas, afinal o corpo não precisa se enquadrar como um produto ou discurso para ser vendido na esquina, televisão, internet ou cinema.
Tudo em Bixa Travesty é over e performático. Claro, não poderia ser diferente, pois assim é a própria Linn. Ela aparece de diversas formas no documentário, ora comandando um programa de rádio, ora como performer e cantora em seus show, ora em casa, com sua mãe e amigas como Lineker, ora em um hospital tratando de um câncer. Em todas elas Linn mostra seu lado performático e destila sua filosofia sobre si mesma. Sua inteligência, beleza e presença ilumina a tela. É impossível não se impactar de algum modo com o que vem com tanta força da tela. A língua, a boca, as pernas, o pau, o saco, os cabelos, a bunda, o cu. Linn é tudo isso e mais o que se queira pensar ou dizer.
Linn está assim no filme, plena, se nomeia bixa travesty e essa grafia com x e y é fundamental, pois ela reafirma que esses corpos precisam ser renomeados mesmo, precisam ser postos em outro lugar. A gramática representa uma recolocação léxica para algo que já está posto no mundo. Como bem diz Linn os armários foram quebrados.
Mas o mais importante no filme vem da dúvida sobre o que é o corpo, de quem tem autoridade para nomeá-lo ou classificá-lo, ou ainda pô-lo em alguma forma. Ao final, a dúvida continua em nós, mas parece que Linn já está em outra discussão, afinal ela não precisa perguntar o que é, apenas ela integralmente é. E é isso que o filme permite que ela seja.
Visto no Cine Brasília, durante o Festival de Brasília, no dia 22/09/2019.
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