
O drama de vidas comezinhas
Por Marco Fialho
Apesar dos recentes e imensos esforços do novo Governo Federal para extinguir o cinema brasileiro, fica patente que nos dois últimos anos a produção brasileira se expandiu. Hoje a multiplicidade de temas, abordagens e estilos narrativos é visível, e isso é algo a se comemorar, sem dúvida. A proliferação de filmes de gênero como "As boas maneiras", "A sombra do mal", 'Bacurau"; os inusitados como "Inferninho"; os documentários políticos como "Democracia em vertigem", "Espero tua (re)volta" e "O processo"; os documentários etnográficos surpreendentes como "Chuva é cantoria na aldeia dos mortos", "Ex-pajé"; os poéticos como "Estou me guardando para quando o carnaval chegar"; os filmes de família como o estupendo "Benzinho e os filmes extraordinários mineiros como "Temporada" e "No coração da noite". Sem falar nas diversas cinebiografias que nos chegaram nos últimos tempos, quase sempre produções esmeradas e bem-acabadas, mesmo que do ponto de vista narrativo soem como produtos de fórmulas de tão parecidas que são. Enfim, há hoje um cinema brasileiro cheio de possibilidades e beleza, para um público variado em interesses e gostos. O único senão é ver essas obras na maioria das vezes lançadas ao quase anonimato, como se o cinema brasileiro não valesse ser visto e estivesse fadado ao ostracismo e ao desinteresse. Há uma tendência mercadológica, e ela é política sim, pelo desinteresse por certas obras e algumas escolhas de quais filmes precisam ser vistos por um público maior e quais não serão vistos nem por 1.000 espectadores, e o que determina isso não a qualidade das produções. Isso é uma certeza, uma afirmação mesmo.
"Onde quer que você esteja" é mais um filme que vem alicerçado num escopo temático bem diverso, no caso, desses que falam de dramas comezinhos, desses que acometem a boa parte de nós, algum familiar ou amigo nosso. Dirigido pela dupla Bel Bechara e Sandro Serpa, essa obra pode ser vista como um típico filme de personagem, aqui mais apropriado seria falar de personagens, pois são múltiplos, que apontam o seu lado mais forte assim como o seu mais fraco. Quanto à atuação de alguns atores, vale mencionar como é lindo ver, por exemplo, um Leonardo Medeiros em ação, assim como uma Débora Duboc e uma Gilda Nomacce (que atriz esplendorosa é essa), suas entregas são tocantes, críveis, repletos de camadas de emoção e história.

Visto no todo, "Onde quer que você esteja" tem irregularidades visíveis típicas de quando se aposta na construção de muitos personagens. Alguns acabam perdendo o fôlego e ficando no meio do caminho. A primeira história, por exemplo, do menino desaparecida é pouco expressiva e com atuações beirando o clichê e a superficialidade. A história da menina em busca do pai igualmente. A da filha da personagem Ana Maria também, desaparece do nada da trama. Essas são fraquezas indubitáveis do filme, inconsistências narrativas evidentes.
Mas tudo não desanda de todo devido ao enfoque que os diretores dão aos três atores que citei acima. Na segunda metade da história eles assumem o protagonismo e levam o filme até o fim. Outro aspecto interessante é o da introdução da narrativa radiofônica, não por acaso o título "Onde quer que você esteja" vem do nome do programa de uma rádio local, dedicada na procura de pessoas desaparecidas. Encontros e desencontros estão presentes no desenrolar da trama, com os diretores tentando trabalhar encontros que acontecem entrelaçados com desencontros. A solidão da vida moderna contrasta com as multidões das grandes cidades. O desespero entra em desarmonia com a esperança. O sensacionalismo midiático aparece, transformando e alçando a vida comezinha em assunto popular.

Talvez um dos grandes feitos do filme seja justamente trazer à tona essa "pequena vida", o que muito lembra o próprio efeito produzido pelo programa radiofônico que dá título ao filme, o de por em realce almas perdidas e aparentemente insignificantes, o de relevar pessoas que vivem nas sombras da sociedade e condenadas a assim viver pela eternidade, de serem meros objetos de consumo para um público igualmente carente. Dar vida a elas é algo sim para lá de dignificante e significante, mas apenas reafirmar isso periga apenas endossar o caráter sensacionalista do que está sendo filmado, condenando assim o filme a própria armadilha que o programa radiofônico propõe, o da exploração da emoção alheia.
Visto no Estação Net Botafogo 2, no dia 04/10/2019.
Cotação: 2 e meio/5.
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