
O encantamento over de Vision
Por Marco Fialho
Um dos temas favoritos da cineasta japonesa Naomi Kawase é o da necessidade da espécie humana se reconectar com a natureza, se assumindo como parte integrante dela. E "Vision", seu mais recente trabalho caminha justamente reafirmando essa direção tão comum em sua carreira. Depois dos cativantes "O Segredo das águas" (2014), "Sabor da vida" (2015) e "Esplendor" (2018), a diretora nos brinda com uma obra que flerta com o sobrenatural, sem esquecer de sua marca registrada, o encantamento. E é sempre por seu intermédio que Kawase tenta nos atrair para os seus mágicos filmes. Entretanto, dessa vez talvez seja essa a maior fragilidade de "Vision", o de trabalhar explicitamente com esse encantamento, com Kawase esforçando-se desmedidamente, desde as primeiras cenas, para evidenciá-lo. A força do encantamento em Kawase sempre se deu por consequência da própria vida, como um acontecimento, uma sinapse. Em "Vision" isso está nitidamente em um primeiro plano da trama, o que retira um pouco o impacto presente em outras de suas obras, quando o encantamento era resultado de uma potente construção narrativa. Esse encantamento era algo que estava à mão dos personagens, eles apenas não se conectavam a eles pela maneira que encaravam a vida e as relações interpessoais.
No filme, "Vision" é uma erva, misteriosa e poderosa, capaz de dissipar o sofrimento e a dor de nós humanos. Mas será que todo esse poder está mesmo concentrado em uma única erva? Kawase parece fixar-se na busca interior da personagem Jeanne (Juliette Binoche), que parece conscientemente buscar o encantamento por meio da erva vision. Acontece que o encantamento não se busca, mas sim se encontra, e ele se faz presente como algo inesperado, justamente porque ele não está na lógica organizacional da nossa vida. Juliette Binoche está em estado constante de encantamento em todas as cenas, fato este que esvazia a própria ideia de encantamento. Ao contrário dos outros filmes de Kawase quando o encantamento surge numa série de congruências que ocorrem a despeito de seus personagens.

Mas há beleza em "Vision". E muita. Naomi Kawase consegue extrair poesia em diversas imagens. Isso porque a dimensão imagética do filme produz impactos sensoriais significativos, momentos de contemplação únicos, sons vindos direto da natureza, como se Kawase quisesse captar uma voz, ou fala, do vento. Apesar de conter elementos isolados interessantes e belos, em "Vision", o talento incontestável de Kawase não consegue concatená-los a contento, tudo fica solto demais e o apelo à beleza, explícita em demasia na maior parte do filme não se conecta aos elementos narrativos e à dramaturgia. Faltou também aos personagens uma solidez, eles juntos não formam uma unidade dramática consistente, revelam-se fluidos e opacos. Um bom exemplo é a personagem Aki (Mari Natsuke), forte, potente, todavia demasiado esvaziado em sua força e significado, uma linda promessa que não se concretiza. "Vision" pode até ter a marca indelével de Kawase, mas isso não consegue fazer dele um típico filmaço dessa quase sempre iluminada cineasta japonesa.
Visto no Estação Net Rio 3, no dia 07/09/2019.
Cotação: 2,5/5
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