
O difícil amálgama da dor com a poesia
Por Marco Fialho
O segundo dia do Festival de Brasília (15/10/2018) mostrou que esse ano o clima do festival seria mais para acalorado do que para calmaria. O público deu indícios de que participaria politicamente de forma efusiva. Parece que a efervescência eleitoral tomou conta de vez e reverberou nas reações aos filmes. A própria curadoria do festival optou em ressoar o momento político e promoveu escolhas incisivas e em consonância com os anseios vindos da plateia.
A maior prova desse magnetismo foi a exibição do primeiro longa da mostra competitiva, o filme Torre das Donzelas, que arrancou muitos aplausos durante a projeção e olha que foram 8 minutos de palmas de consagração ao final, em especial quando a diretora Susanna Lira expôs os rostos das 30 entrevistadas que passaram pela prisão e tortura no Presídio Tiradentes (SP) no período de exceção durante a ditadura civil-militar iniciada em abril de 1964.

E toda a comoção da plateia é mais do que justificada, afinal, dentre as prisioneiras entrevistadas estava a presidenta Dilma Rousseff. Todo esse envolvimento emocional inclusive dificulta uma visão mais justa em relação ao filme, já que o tema cria uma tendência que oblitera a análise mais aprofundada sobre as opções de Susanna Lira. De fato, lá pelo meio do filme sentimos que a quantidade de 30 entrevistadas torna tudo muito repetitivo e cansativo, ainda mais que foi estabelecida uma abordagem narrativa que pouco nos surpreende no decorrer da obra e que de certa forma padroniza o resultado. Algumas trilhas musicais também tendem a acentuar e muitas vezes até forçar um maior clima dramático, o que enfraquece algumas cenas, em que as situações relatadas potencialmente não precisavam dessa ênfase.
Se por um lado a escolha da reconstrução do ambiente prisional proposto pela diretora de arte Glauce Queiroz fortalece o lado poético do filme, por outro lado acaba por retirar sua contundência, seu lado denúncia que até combinaria mais com a proposta.

Vale destacar também os acertos do filme. Primeiro não se pode tirar de "Torre das donzelas" sua importância e peso político para o nosso momento atual. Se cinematograficamente o filme tem suas rateadas na costura de muitos depoimentos, no aspecto mais amplo ele ganha uma força impressionante e a exibição dele em Brasília ratifica essa assertiva.
Outro trunfo do filme é o seu desfecho, onde Lira consegue resgatar seu filme e lhe conferir uma força, a partir dos depoimentos onde as presas políticas falam de como o período prisional impactou em suas vidas e revelam seus desenhos inspirados nos tempos da Torre das donzelas. Susanna Lira consegue então demonstrar pela diferença nos desenhos, a riqueza das vozes, o impacto que o local deixou em cada uma das presas políticas. Um final que consegue amalgamar poesia e dor; saudade e esperança.
Visto no Festival de Brasília, em 19/10/2018, no Cine Brasília.
Cotação: 3/5
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