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BACURAU - Direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles


Cena de 'Bacurau' — Foto: Divulgação
Ninguém solta a mão de ninguém!

Por Marco Fialho

"São muitas horas da noite
São horas de bacurau
Jaguar avança dançando
Dançam caipora e babau
Festa do medo e do espanto
De assombrações num sarau..."

Trecho de "Bicho da noite" do compositor Sérgio Ricardo, canção integrante da trilha musical de "Bacurau".

O que mais importa em obra de arte não é a sua literalidade, mas o que ela significa e representa para além do que é narrado, mostrado e dito. No cinema, mais do que contar uma história, um filme cresce quando ele em si se transforma em um imensa metáfora sobre um determinado momento histórico, ou fazer, como "Bacurau" faz brilhantemente, por em evidência e xeque toda a história de um país. Pode parecer muito o que digo aqui, mas é exatamente o que acontece nos 130 minutos de sua exibição, condensar o lastro histórico do nosso país a partir de suas práticas e relações sociais.

Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles assim o fazem e por isso deixam perplexos, surpreendidos e impactados todos ao final da sessão. "Bacurau" é um filme-síntese, por isso raro, fundamental, necessário e obrigatório para quem cogita tentar entender um país, um mundo e as relações interpessoais existentes nele. É símbolo, metáfora e também inconsciente de um povo que precisa sobreviver sob uma égide de opressão contínua. A partir de agora deveríamos dizer que Bacurau é o novo nome do Brasil, ou mais do que isso, que Bacurau mais do que um lugar é uma estratégia e um estado de espírito de sobrevivência. Não há nesse relato, um spoiller sequer, ainda porquê não poderia mesmo ser, já que a literalidade em "Bacurau" nada significa em si mesmo. Para pensar "Bacurau" deve se pensar para além do que é visto e dito, pois o que há de mais precioso ali é a fábula, um algo que precisa ser entendido para fora da obra. "Bacurau" só vai atingir e impactar a quem está preocupado em entender e interpretar um país inserido dentro de sua lógica histórica. "Bacurau" nos provoca a olhar para o nosso passado e a pensar sobre o que podemos fazer acerca do nosso futuro. Todavia, nada disso está explícito ali, pois o implícito é a força dessa obra enigmática e potente.
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Há pequenos detalhes em "Bacurau" que merecem ser observados, para que não se passem despercebidos. A primeira imagem do filme precisa ser resgatada e o que ela nos chama atenção sobre a perspectiva, sobre o olhar que devemos ter sobre o próprio filme. Ele exalta a olhar por cima, a buscar uma visão para além do lugar retratado, o quanto nosso olhar precisa estar atento para a relação entre o particular e o geral. "Bacurau" é estruturalmente dialético em sua organização e a montagem de Eduardo Serrano dá conta de explicitar essa proposta. A tensão permanente do filme se constrói na relação entre o lugarejo e o que está fora dele. Mas a primeira cena também nos remete a uma outra relação dialética presente no filme, a do uso da tecnologia, como que o fenômeno da comunicação propicia uma nova percepção e porque não dizer uma outra maneira de atuarmos na vida. Nada mais justo do que a inserção da música "objeto não-identificado", clássica canção de Caetano Veloso na voz de Gal Costa, o quanto ela personifica espiritualmente a proposta do filme e como que sua letra e seu arranjo podem servir até como uma sinopse profunda para "Bacurau".

Já que tocamos na questão musical do filme, porque não falar então dela. Mesmo sendo a playlist mais enxuta (seis músicas apenas), arrisco a dizer que é a mais profícua dos filmes de Kleber. Há um ato político importante de Kleber e Juliano quando resgatam dois compositores fundamentais e talentosos que praticamente foram banidos da nossa música: Sergio Ricardo e Geraldo Vandré. Escutá-los na trilha de "Bacurau" acrescenta muito, pois alude ao nosso inconsciente coletivo de luta e engajamento social. Compositores que foram "banidos" pelos seus posicionamentos políticos, que sofreram a pior de todas as censuras, a da mídia (como gostava de dizer outro renegado e injustiçado, o dramaturgo Plínio Marcos). "Bacurau" incita isso mesmo, uma retomada da luta, um não desistir nunca, uma mensagem de que somos mais fortes e capazes de que qualquer idiotice reinante. Nesse ponto, difícil até de dizer o quanto que "Réquiem para Matraga" de Vandré expressa essa necessidade de união, de sentido de comunidade que a cada dia se esvai de nossas vidas. "Bacurau" traz intrínseca essa retomada de uma força motriz, de que é possível vencer as adversidades, desde que saibamos identificar os elementos que nos desagregam. Outro resgate musical importante é o do músico pernambucano Nelson Ferreira, com sua bela melodia "Entre hortênsias", que traduz com precisão todo o sofrimento histórico do povo nordestino.
Imagem relacionada
Todavia, assim como no filme, a trilha também encarrega-se de trazer menções a artistas estrangeiros, como a incrível trilha eletrônica "Night" de John Carpenter. Aqui a homenagem deve ser entendida como cinematográfica mesmo, apesar que a palavra noite ser bastante significativa no próprio enredo de "Bacurau". Inclusive, Kleber e Juliano trabalham em 'Bacurau" várias referências vindas de gêneros diferentes. O horror, a ficção científica e o western caminham aqui lado a lado. Apesar de que as citações do western devem ser filtradas pelo próprio cinema brasileiro, em especial o de Glauber Rocha (Deus e o Diabo na Terra do Sol), mas sobretudo pelo de Sérgio Ricardo (A Noite do espantalho). Há ainda a alusão aos filmes B de ficção científica, em especial os efeitos especiais da aparição dos discos voadores (como não lembrar vendo "Bacurau"dos discos fakes e simplórios de Ed Wood?). A violência de "Bacurau" muito vem de Carpenter, diretor de filmes tanto de horror quanto de ficção científica. A distopia presente em "Eles vivem" (1982) ecoa visivelmente pelo Brasil de Bacurau, sendo que mesmo ao final do filme não sabemos a origem das vozes ouvidas pelos estrangeiros em suas escutas. Arrisco-me a dizer que desde "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber Rocha e "Vidas Secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos, que nosso cinema não produzia uma obra tão referencial e com tantas alegorias sobre o país. "Bacurau" nasce sob a perspectiva de ser um novo clássico de nossa cinematografia, em especial por atualizar o nosso drama social por meio de uma expressão artística. Dificilmente no futuro, falaremos do nosso hoje e desse primeiro quarto de século sem menciona-lo como síntese desse momento.

Estruturalmente "Bacurau" poderia ser vista como uma obra distópica, já que sua temporalidade está identificada a um futuro próximo, entretanto talvez não seja tanto assim. Sua relação com o passado é bem mais forte do que com o futuro e as situações carregam simbolismos históricos profundos. Kleber e Juliano criam a partir de Bacurau, esse esquecido lugarejo fictício fora do mapa, sua Macondo, mas a adapta aos nossos tempos tecnológicos. Ali, tradição e modernidade se cruzam como podem. A presença do cantador repentista Carranca muito diz sobre essa correlação entre as forças do presente com o do passado, ele, uma expressão típica do nordeste, um representante da fala e do pensamento popular, o mesmo que diz que bacurau é um pássaro que só sai à noite. "Bacurau" é também sobre a eterna noite Brasil, sobre nossas estruturas políticas carcomidas por uma elite atrasada, poderosa, burra e opressora.
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"Bacurau" discursa o tempo todo na relação entre nós e o outro, sobre o que significa lidar com o outro, o desrespeito pelo outro, a falta de empatia estabelecida pelo jogo político. Para eu me dar bem, o outro precisa ser apagado, dizimado. Esse confronto entre um lugarejo com seu político, desse mesmo político com o poder econômico nessa trama que só se expande para ratificar interesses escusos de dominação, é que "Bacurau" põe em xeque essa deslealdade dos poderes desde as esferas mínimas até as mais influentes no mundo. São diversas essas camadas de poder: as existentes entre norte e sul (personagens de Maria e João), entre ricos e pobres (os gringos e o vilarejo), entre cidadãos e políticos (os moradores e o político mequetrefe), entre brasileiros e estrangeiros ou civilizados e selvagens, enfim, todas as diferenças que reafirmam as desigualdades e não as similitudes entre as pessoas. João e Maria (Antonio Saboia e Karine Telles) são ótimo protótipos das camadas médias brasileiras dos grandes centros (especialmente Rio e São Paulo), que se autodenominam como elite, mas que na prática são apenas inocentes úteis para o sistema.

As metáforas são muitas em "Bacurau", todavia gostaria de me deter em uma delas, a do museu. A sua presença em um pequeno lugarejo chama bastante atenção e seu simbolismo mais ainda. Desde o começo do filme sua imagem está ali projetada, mas não adentramos nele prontamente. Há um momento propício para isso, quando a memória e o inconsciente popular é chamado a participar da história. Ali grita uma força de resistência fora do comum e os planos gerais dele nos atiçam incessantemente a adentrarmos no espaço. E o que ele nos reserva diz muito sobre a vida presente no enredo do filme, o acúmulo de resistência e sobrevivência popular ao abandono histórico para o qual foi relegado. As cabeças cortadas dos cangaceiros estão postas em fotos e precisam ser atualizadas com urgência. Há nesse ponto uma homenagem a Carpenter, mesmo que venha requentada pelas mãos de Quentin Tarantino e sua constante revisita à história para recontá-la. Sim, há um desejo em Kleber e Juliano de refazer a história, nitidamente movida pela transgressão e pela apropriação, como se por meio do cinema pudéssemos tomar as suas rédeas. O uso da violência é a forma, que acumulada, explode no final num clichê cinematográfico às avessas.
"Bacurau" nos propõe a sentença de até quando aceitaremos o jogo sendo a caça no jogo proposto pelo capitalismo internacional e pelas nossas elites facínoras? Até quando seremos a eterna colônia a alimentar os interesses mesquinhos cada vez mais escancarados pelos dominadores? No filme, os guerreiros estão reclusos, vivendo à margem do sistema, esperando o momento certo para dar o bote no inimigo. Lunga (um sensacional Silvero Pereira) é o maior exemplo, com seu visual andrógino e seu preparo esmerado para a luta. Não devemos esquecer de falar do elenco como um todo, imenso, com mais de cinquenta atores em cena. E claro, tem a presença luminosa de Sônia Braga, esse vulcão que transborda força para além da sua própria personagem, a médica Domingas. A sua energia contagia a todos, conclama valentia e coragem. "Para que essa violência?" ela pergunta ao estrangeiro caçador. Ela responde ironicamente com uma clássica música do repertório romântico norte-americano dos anos 1980, "True". Esse sarcasmo de Domingas revela o processo violento e contraditório da imposição de uma dominação cultural ditada por estratégias que oscilam entre a sedução e a violência explícita. Mas que fique claro, Bacurau, o próprio vilarejo, é o maior protagonista do filme.  

Por isso digo sem medo: "Bacurau" é um clássico instantâneo. Não conseguiremos entender o Brasil de hoje e o de sempre sem essa análise sociocinematográfica de Kleber e Juliano. O Brasil, ou melhor, a sua história, condensada sociologicamente em 130 minutos. Bacurau é um presente, uma luz nesses tempos sombrios e tenebrosos que vivemos. A arte e seu poder de transformar o sujeito. Saímos de Bacurau" com algo remexendo por dentro, como se nossos órgãos internos tivessem sido abalados por aquelas imagens e sons. "Bacurau" sacralizou minha insistência de ir ao cinema. Afinal, nós cinéfilos não vamos ao cinema para isso mesmo, na busca de sairmos outra pessoa? "Bacurau" é a história da cultura, do mundo, do Brasil e uma lição do viver.

O sucesso estrondoso de "Bacurau" no Festival de Cannes, sendo agraciado com o grande prêmio do júri é merecido, afinal, como obra, sua importância é a de desnudar a desumanização em que vivemos no Brasil de sempre, e especialmente no de hoje. Vai no ponto sem ser direto. Méritos para Kleber e Juliano que optaram pela realização de uma história que servisse como uma metáfora do país e não por um realismo óbvio e pouco reflexivo. "Bacurau" é um desses filmes que ficamos pensando sobre ele horas a fio, tentando nos situar para depois tentar relacionar com algo maior que nós. De cara entendemos que tudo que está na tela fala de nós, sim, de todos os que habitam nesse continente Brasil e isso não é fácil de se ver e reconhecer. Por isso, a presença de Lia de Itamaracá também é extremamente simbólica como a líder Carmelita, ela é o elemento fundamental para a manutenção e agregação do coletivo. Precisamos urgentemente nos reconectar uns aos outros e isso faz de "Bacurau" algo que precisa ser exponencial e obrigatório. Ele nos mostra veementemente que a esperança só será efetivada se pegarmos a mão um do outro e não largarmos mais. Isso, é por o coletivo na frente de tudo, afinal como dizia Glauber Rocha com seu personagem Corisco: "mais forte são os poderes do povo".

Visto numa cabine de imprensa, no Espaço Itaú de Cinema 4, no dia 16/08/2019.
Cotação: 5/5

Comentários

  1. O filme é realmente necessário! Kleber é um talento e tanto... Vontade enorme de trabalhar sob sua direção! Parabéns pela crítica, amado... Lúcida, coerente e reverberante!

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  2. A melhor análise que li até agora! Adorei a parte do museu. Negar a história não é o que vivemos nessa era de ignorância? Por exemplo, hoje há os que dizem que não houve ditadura militar, quando as evidências históricas mostram que houve. João e Maria não deveriam fazer pouco do museu. Ele guarda a memória de um povo. Por isso, é peça-chave da resistência. Desculpe o spoiler. Me empolguei com seu texto. Rs Abraços.

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    1. Muito obrigado Georgia pelo seu comentário! Gostei também dessa ideia do museu ser o lugar do confronto, entre o povo resistente e os invasores que representam a histórica dominação estrangeira. Grande abraço!

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  3. Um clássico do cinema brasileiro conectado com o humano que está dentro de nós todos.A universalidade dessa maravilhosa metáfora nos reporta a um país que se chama Terra Gaia...

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  4. Cada um dos moradores de Bacurau tem a sua importância na construção da narrativa. Personagens místicos, misteriosos, violentos e carismáticos. Domingas, Tereza, dona Carmelita, prefeito Tony Jr., Lunga, Pacote e tantos outros. Bacurau tem de tudo. São esses muitos personagens que ajudam a criar um enredo que surpreende e muito rico em referências. Parabéns pela critica Marco!

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  5. Kleber Mendonça consegue aliar a sua compreensão sócio política do Brasil ao seu enorme talento artístico. O Som ao redor já nos mostrava ali um grande cineasta, capaz de estar lado a lado com os grandes nomes do cinema mundial. Excelente a tua crítica, Marco. O teu trabalho, sempre lúcido e inteligente, preenche uma lacuna para quem se interessa por cinema. Que ele continue no próximo ano. Obrigado.

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    1. Obrigado Paulinho, por acompanhar sempre com muita atenção e cuidado os textos.
      Grande abraço!

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  6. Eu amei teu texto. Foi exatamente assim q me senti. Reconhecimento. E também pensei imediatamente em Glauber Rocha. O filme é uma obra prima para sempreeeee. Também me toquei qdo vi as roupas no varal de Abril Despedaçado um livro q já reli inúmeras vezes e teve uma versão cinematográfica transportada para o sertão bem forte. Enfim grata por demais pela oprtunidade de ver Bacurau mais uma vez. Como já disse quero ver de novo. De novo. De novooooo 😍

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário! Pena que não deixou o nome! Um grande abraço!

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  7. Marco, mais uma vez, o uso certeiro da palavra...e vc relança Bacurau em força, grau e desejo: ainda vamos precisar de muitas conversas e análises.. Bacurau está no mapa da vida, cartografia de desejos e expectativas de 1 povo, o nosso. Brasil Bacurau...Bacurau, Brasil!!

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    1. Muito obrigado Adriana!! O coletivo um dia vencerá e seremos Bacurau!

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