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O PROFESSOR SUBSTITUTO - Direção de Sébastien Marnier

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A visão perturbadora de Marnier sobre o mundo

Existem filmes que podem ser definidos genericamente em uma única palavra, "O professor substituto" é um deles e chamá-lo de perturbador sintetiza bem os sentimentos que envolvem essa obra dirigida pelo estreante Sébastien Marnier, que cena a cena vai construindo uma atmosfera distópica ao retratar uma turma de 3º ano do ensino médio com 5 alunos CIP (Crianças Inteligentemente Precoces) de uma escola particular francesa de excelência.

Pena que o título original, literalmente "A hora do lançamento" não foi utilizado também por aqui no Brasil, já que dialoga melhor com o que vemos na tela. Desde a primeira cena até a última há um quê de metafórico nessa imagem proposta pelo título original e na qual o diretor vai montando seu quebra-cabeça. A cada minuto o suspense aumenta e algo de aterrorizante vai prevalecendo na narrativa, embora tudo indicasse que veríamos apenas um filme sobre um professor substituto e seus dilemas de adaptação. Mas felizmente, não é só isso o que acontece.
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Como classificar então esse "O professor substituto", como terror, suspense, drama, aventura ou ficção científica? O ponto de partida de Sébastien Marnier é nos colocar na mesma perspectiva do professor substituto Hoffman (interpretação impecável de Laurent Lafitte), a de tentar entender quem são os seus incomuns e assombrosos alunos, que mesmo sendo extraordinários são esquisitíssimos. Eles são os elementos a serem desvendados para que o filme faça algum sentido ao seu final. E esse é o mérito de Marnier, nos fazer juntar todos as peças jogadas durante sua narrativa eivada de tensão.

"O professor substituto", ou melhor, "A hora do lançamento" pode ser visto como uma metáfora de nossos dias, onde a tecnologia abriu caminhos para acessarmos informações amplas sobre os mais variados assuntos. Vivemos sob o espectro do mundo da informação, pois ao mesmo tempo que nele tudo podemos encontrar, somos também manipulados e dominados por discursos oficiais de governos, bombardeados por propaganda de produtos inúteis e ainda de fake news. Não à toa, somos surpreendidos pelos vídeos secretos dos alunos com cenas de estranhos treinamentos masoquistas permeados por cenas que mostram a catástrofe do mundo em que vivemos, todas provocadas tanto por governos inescrupulosos quanto por empresários poderosos e gananciosos.

Afinal quem são esses adolescentes incomuns, todos nascidos no seio da elite francesa, brancos, com inteligência acima da média, fechados em si mesmos e que se negam a abrir conversa com os outros alunos? E os ausentes pais, tão preocupados em ganhar dinheiro para garantir o futuro de seus filhos, mas se esquecendo de seu infeliz presente? E como pode ser vista essa escola aparentemente super "protetora", hipócrita e que fecha os olhos para os problemas dos alunos e professores? Como entender essa mesma escola onde um professor se suicida na frente de seus alunos e cuja diretora assedia professores moral e sexualmente? Como não ver essa mesma escola como um espelho e metáfora desse mundo atual, informacional, que já não esconde mais a sua dimensão distópica. Como ser jovem em um mundo sem esperança, e como diz a aluna Apolline, em "um mundo em declínio e das despedidas"?
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"O professor substituto" nos vislumbra como uma metáfora que situa que a "aula" está mais com os alunos do que com os professores. Seus vídeos, cuidadosamente enterrados, constroem uma visão acerca de um mundo catastrófico, e sobretudo, sem afeto. Os cinco alunos acima da média sofrem pela frieza do mundo burocrático e hipócrita em que todos nós vivemos, tanto o escolar quanto o que está para fora de seus muros. A escola na verdade representa esse mundo, individualista, passivo e indiferente às profundas desigualdades sociais e cego às atrocidades impingidas ao planeta e a todos os seres que nele habitam. O que sentimos é que a lógica ambiciosa do mundo já nos está posta como imutável. Há muito não reagimos e não somos coletivos efetivamente. Nos perdemos emotivamente e estamos lançados em um individualismo mortal e infeliz. Quando o professor segura a mão de Apolline na cena final, é esse simples gesto que Marnier tenta restaurar no mundo. Aqui no Brasil, na França, e em qualquer lugar do planeta está na hora de ninguém soltar a mão de ninguém mesmo. Assim parece nos dizer o filme distópico e quase macabro de Marnier.             

Visto no Estação Net Rio 5, em 20 de junho de 2019 (Festival Varilux).
Cotação: 4/5

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