Ozon coloca o dedo na ferida católica
Por Marco Fialho
Em 2019, François Ozon completa 20 anos como diretor de longa-metragens e essa rica carreira com 16 filmes no currículo e obras importantes como "Sob a areia", "8 mulheres", "Swimming pool", "Dentro da casa", "Frantz" e "O amante duplo". O lugar de Ozon na filmografia francesa atual é enorme e expressiva, basta falar de seu nome para as atenções das plateias se voltarem para as telas.
"Em Graças a Deus", agraciado com o Urso de Prata no Festival de Berlim, Ozon toca em um tema social espinhoso e difícil, o da pedofilia dentro da igreja católica. O mais impactante dessa proposta cinematográfica é sua visão crítica e desenvergonhada sobre os crime praticados por padres católicos. Logo na primeira cena nos vem a informação de que trata-se de ficção baseada em fatos reais e ela é fundamental por nos precisar a existência de uma base documental presente no roteiro de Ozon. A direção segura de Ozon nos deixa o tempo todo grudados na tela. Há uma artesania fantástica, um trabalho minucioso com os personagens e eles são muitos. Ozon se utiliza de sutileza para mudar os protagonistas de sua história, ou melhor, para ampliá-los já que os casos de pedofilia vão aparecendo a cada nova denúncia.
Dentro da proposta de Ozon, a abordagem política do tema prevalece. Mesmo sem apresentar uma ousadia estética, "Graça a Deus" se impõe pela primazia e premência de seu tema. A perspectiva escolhida por ele é a das vítimas, no caso o do silenciamento sobre uma agressão escamoteada por um sentimento de vergonha por uma masculinidade ferida na infância. Um aspecto importante é o da ausência da subjetividade dos algozes, tratados sempre com uma objetividade justa, afinal aquelas crianças cresceram e levaram consigo traumas e sequelas irreversíveis da violação. Não importa saber as razões ou entender o agressor e Ozon frisa isso a cada momento, o que dignifica muito o resultado final de sua obra.
A dor e angústias dos personagens são tratados com muito cuidado por Ozon. Mesmo depois de 20 ou 30 anos da agressão sofrida tudo ainda estava ali guardado, mas vivo, muito vivo. Por isso, o trabalho dos atores se destaca na concepção final do filme, pois as dores deveriam vir deles. O trio principal (Mevil Poupaud, Denis Ménochet e Swann Arlaud) possui um equilíbrio narrativo e dramatúrgico impressionantes.
Em "Graças a Deus" a instituição igreja católica fica com a imagem bastante comprometida, já que a elite eclesiástica tinha conhecimento dos fatos e práticas criminosas de padres e nada fizeram a respeito. E além de omissa ela acobertou os infratores, tornando-se cúmplice de seus atos aviltantes. Ozon expõe isso de forma veemente ao colocar as vítimas como pessoas que passam a desacreditar dos valores religiosos, o que explica quando um dos personagens pergunta se alguma das vítimas ainda acreditava em Deus. Essa pergunta em si não é respondida, mas a dúvida fica com todos nós que assistimos a esse filme, que expõe a integridade e a validade dessa ostentosa, poderosa e opulenta instituição religiosa. Ozon bota o dedo na ferida, mas deixa para à consciência do espectador a decisão, embora seu filme possua em si uma evidente visão sobre o tema.
Visto no Estação Net Rio 3, no dia 08/06/2019, durante o Festival Varilux de Cinema Francês.
Cotação: 4/5
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!