
Contenção e explosão na medida certa
Por Marco Fialho
Tem filmes que são tiros certeiros. "Amanda" é um deles. O grande mérito de Mikhaël Hers está na economia de recursos narrativos. Todas as cenas são executadas sem excessos e com uma competência de quem sabe de qual ponto de vista contará a história. Apesar de ser um drama de muita intensidade há uma contenção das emoções que são represadas para apenas explodirem no momento exato e conclusivo.
Toda a história de "Amanda" foi dividida para que fossemos lentamente nos relacionando com os personagens. Pouco a pouco, cena a cena, vamos nos envolvendo com eles, pelas suas humanidades, por tudo que faz deles pessoas comuns. Sim, porque não há nada mais tocante do que a vida de gente como a gente. E assim acompanhamos a rotina banal de Amanda (Isaure Multrier), seu tio David (Vincent Lacoste) e sua mãe Sandrine (Ophelia Kolb).
Tudo caminha como previsto dentro de um universo de uma família de classe média parisiense até que um fato trágico ocorre, e a tudo modifica com sua incisividade. O diretor Hers introduz pequenos elementos no transcorrer da trama, e assim vai trabalhando e os manipulando com maestria. Nossa atenção sempre está ali presa nesses detalhes narrativos, cuidadosamente colocados à mão pelo diretor. Trabalhar com atentados aparentemente terroristas é um desafio, pois a apelo fácil da condenação pode por tudo a perder, todavia Hers prefere transitar pelo drama intimista ao vez de entrar em discussões sobre a origem das motivações.
Pode-se até dizer que o ponto de vista escolhido, o da família parisiense atingida, ignora o outro lado, a de quem executa uma ação brutal, e que talvez assim não provoque uma discussão ou até uma aproximação com esse outro que optou por uma ação violenta e extremada para lidar com conflitos e diferenças. Se isso pode ser verdade, Hers também não pode ser acusado de julgar esse outro lado, e isso é um ponto que valoriza sua obra, pois assim, ficamos com as consequências e as tentativas de superação das famílias que sofreram as dores do atentado.

A atuação de Vincent Lacoste e Isaure Multrier são de uma consistência inabalável. Eles parecem controlar todo o arco dramático de seus personagens. Sabem expressar suas dúvidas, angústias, pequenas alegrias, amizades e desconfianças sempre na medida. Nota-se um trabalho minucioso de Mikhaël Hers, que sabe o quanto seu filme depende da atuação de seus atores. Esse é o seu maior cuidado. Não há preciosismo técnico, enquadramentos diferentes ou inusitados. Construir seus personagens está como prioridade de seu cinema. Busca por meio deles uma cumplicidade e uma identificação com o espectador.
O tema central da trama é o do amadurecimento, ou melhor, do brusco amadurecimento, tanto de David, jovem de 24 anos quanto de Amanda, que tem apenas 7 anos de idade e precisa enfrentar desafios para além de sua capacidade infantil. O mais difícil para a direção é escapar da xaropada melodramática, que despertaria no espectador o sentimento de pena. Mas Hers escapa dessa armadilha ao suprimir os fatos mais pesados da história e indo, aos poucos, nos revelando apenas os detalhes mais importantes do ocorrido. Ao não mostrar ele mantem seu foco no desenvolvimento dos personagens e nos seus aprendizados perante às dificuldades impostas pela vida.
Após de assistir "Amanda" e começar a pensar mais amplamente sobre o filme nos deparamos com suas fortes qualidades. Apesar de soar tão simples na sua narratividade, contraditoriamente, "Amanda" revela-se tão igualmente envolvente, tendo nos remetido de imediato, a duas obras fantásticas do cinema: "Match Point" (Woddy Allen) e "Blow Up" (Michelangelo Antonioni), ambas famosas por utilizarem uma partida de tênis como uma prerrogativa simbólica crucial para expressar suas ideias sobre a vida e o viver. Em "Amanda" não é diferente. Uma partida de tênis se transforma em artifício metafórico e em um detonador de emoções. De uma vez só, a vida ali explode em sua plenitude, já que até então havia uma contenção emotiva continuamente guardada pelos personagens. Sua revelação se dá para nos mostrar o quanto que a esperança na vida pode ser resgatada, mesmo em momentos onde tudo parecia ruir em definitivo. "Amanda" é verdadeira, uma obra imbuída de uma sensibilidade comovente.
Visto no Espaço Itaú de Cinema 4, em 11/05/2019.
Cotação: 4/5
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