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CRIMES OBSCUROS - Direção de Alexandros Avranas

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Um filme artisticamente sem personalidade 

Por Marco Fialho

Enquanto em "Miss Violence", o diretor Alexandros Avranas partiu do universo íntimo de uma família tradicional, aparentemente convencional, para falar de uma Grécia estruturalmente carcomida, em "Crimes Obscuros" ele revira uma história verídica e sinistra ocorrida nos estertores do socialismo real na Polônia. Mas o resultado dessa produção norte-americana resulta bem inferior ao seu trabalho anterior, com obviedades narrativas, imagéticas e interpretativas muito rudimentares. 

Mesmo tendo dois atores tarimbados e eficientes no elenco, como Jim Carrey e Charlotte Gainsbourg, Avranas não consegue amarrar uma narrativa que envolva o espectador. E tem mais: esse tipo de denúncia na qual o filme se propõe já foi realizada em abundância pelo próprio cinema polonês contemporâneo. Por ser baseado em fato reais, o diretor poderia ter criado um roteiro potente, impregnado de realismo e que pudesse trazer mais curiosidade e força para o seu enredo. Só que as coisas não funcionam bem assim. A grande marca dessa obra é o desenvolvimento de um psicologismo dos personagens, onde a previsibilidade a cada nova cena vai se revelando sem maiores surpresas.
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No filme, o personagem de Carrey, o detetive decadente Tadek desencava o crime de um policial cujo desfecho não foi concluído por falta de maiores evidências. Ao ter contato com o áudio de um livro não lançado de um escritor, Tadek inicia uma nova investigação. Passado e presente trazem mistérios que pedem e clamam por revelações, em especial a participação da namorada (Gainsbourg) do escritor, que trabalhou no sex club, lugar inteiramente entrelaçado com o crime e onde ela conheceu o namorado.
       
O próprio título já entrega muito do que o filme se propõe, uma história que literalmente trata dos subterrâneos da Polônia recente, daquelas que habilmente foram colocadas para debaixo do tapete oficial. O fato é que ao nos revelar orgias com prostitutas e personagens que na teoria deveriam ser ilibados, o diretor nos induz ao terreno do déjà vu. Do ponto de vista narrativo o filme transita entre um ritmo que ora lembra os dramas europeus ora os tradicionais filmes policiais americanos. Os dramas domésticos não são bem aproveitados e a própria investigação policial não consegue aprofundar as contradições sociais pretendidas por Avranas.             
Imagem relacionadaA direção pouco inspirada de Avranas não consegue se sustentar, pois cena a cena vai desmoronando o filme. Apesar de conter um enredo tenso e promissor, as escolhas feita pelo diretor dos planos, da montagem e da direção dos atores, em especial Marton Csokas, que entrega uma atuação canastrônica, rasteira e sem o devido acabamento dramático que o papel exigia, fazem o longa naufragar. Se o trabalho dos astros Carrey e Gainsbourg não comprometem, também não chega a contagiar.

Mesmo que eivadas pelo tratamento óbvio, o que talvez mais salve o filme sejam a fotografia e a direção de arte, e mais particularmente o figurino. Os tons neutros de cinza, bege e preto dão o tom sombrio bastante adequado à trama. Entretanto essa era mesmo a solução mais manjada a ser incorporada esteticamente à proposta imagética do filme, o que fortalece para que tudo se torne de uma previsibilidade só. O tom cinza e sóbrio acaba por contaminar também a própria narrativa de "Crimes obscuros", e reflete bem o monocromatismo fotográfico e o tom sem-graça que permeia toda a obra. O aspecto fotográfico também diz muito sobre o reducionismo e os caminhos fáceis encontrados pela direção. A imagem está ali, simplificadora, como elemento totalizante e sintético do pouco que se consegue comunicar. Enfim, ela é a expressão maior da falta de artesania que o filme encampa.         
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Cabe ainda registrar que algumas cenas de "Crimes obscuros" beiram ao primarismo, como a que Tadek chega em casa, liga a TV e a notícia de suas descobertas sobre o crime começa de imediato. Outra cena forçada ao extremo é a da morte de sua mãe que só aparece duas vezes no filme, uma primeira onde ela pede para que Tadek jamais deixe ela morrer sozinha (logo no início da trama) e depois quando ele entra na casa e a encontra morta, quase no final do filme, o que soa como patético do ponto de vista narrativo.

Mas o mais incrível é que Avranas parte de uma história real e não consegue nem fazer o mínimo, que seria o de levar a cabo um filme-denúncia. Perde-se então a oportunidade tanto da metáfora social quanto de realizar uma trama rica em realismo. O produto final fica sem a mínima personalidade, uma obra sem brilho próprio, reveladora apenas de um psicologismo vazio, e que de tabela, revela-se intensamente insossa e pouco contundente.

Visto no Kinoplex Boulevard Rio 6, em 02/03/2019.     

Cotação: 1 e meio/5                                                               

                                                                                    

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