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CLÍMAX - Direção Gaspar Noé

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Imagens destrutivas de um ególatra

Paira sempre no ar uma desconfiança quando um determinado cineasta começa a cuidar mais do seu marketing pessoal que do seu fazer artístico. Gaspar Noé pode tranquilamente figurar nessa lista, em especial quando a ideia de choque se insinua deliberadamente. Em Love 3D isso já estava posto (só que de maneira mais branda) e agora em "Clímax" a evidência se consolida. Exibicionismo narrativo, exagero dramático e câmera labiríntica são exemplos notórios do egocentrismo pernicioso de Gaspar Noé. Há um quê de artifício estandardizado cinematograficamente, um grafismo pedante e verborrágico que muitas vezes beira o gratuito.

Em "Clímax", Noé nos empurra goela abaixo uma estética agressiva, que passa longe do metafórico, escrita por uma câmera prepotente que escolhe qual personagem resolve acompanhar, como se a humanidade dos personagens pouco importasse ao realizador. Muitos podem dizer que ele retrata o vazio, os escombros da sociedade francesa atual, xenófoba, racista, misógina e outros aspectos que ainda se possa pensar. Mas não se pode esquecer que a construção desse vazio, como ele é representado, encenado e concebido no filme é de estrita responsabilidade do diretor, não da sociedade simbolicamente retratada.

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Antes de avançarmos precisamos dimensionar o filme em suas temáticas e personagens. De quem o filme fala, quem são seus protagonistas? Parecem perguntas óbvias, mas são fundamentais para desconstruir determinadas óticas presentes em "Clímax". Sendo bem diretos, os protagonistas são os artistas, dançarinos que se encontram para um ensaio numa região de floresta em meio a uma nevasca. Sim, são artistas. E como Noé os representa? Como doidões, inconsequentes, drogados e agressivos. O desserviço realizado pela construção dramatúrgica de Noé é imenso ao reafirmar um estereótipo corriqueiro de que os artistas são assim mesmo, faz parte de sua natureza serem enjeitados. Nota-se que não há um elemento exógeno ao ensaio, um produtor, um patrocinador do espetáculo, nada. São apenas eles e mais ninguém, o que reforça a imagem moralista de que este estrato social é um estorvo para a coletividade. Mais uma vez, o choque estético parece prevalecer sobre a própria obra em si.

Pois bem. Vamos discutir então "Clímax" como obra, como construção narrativa. Desculpe, ainda não, vamos adiar mais um pouquinho para falar do início exibicionista e gratuito do filme, onde assistimos antecipadamente a cena final e seu posterior longo crédito final, que representa, lógico, uma quebra narrativa. Vale ressaltar que os extensos créditos nada acrescentam ao todo, nem do ponto de vista do significado nem do significante. Aponta apenas uma chatice (ser obrigado a assistir aquela lista interminável fora da hora), um esnobismo estéril da direção, afinal, "Clímax" não se configura como uma obra experimental, mas sim como narrativa e convencional.

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Por isso mesmo vale então agora adentrar na análise da estrutura narrativa de "Clímax", conforme proposta por Gaspar Noé. O filme divide-se em três blocos básicos: o primeiro é um vídeo, que nos é apresentado em uma tela de televisão, onde conhecemos os personagens e suas visões sobre a dança e seus projetos de vida (vale mencionar que no enquadramento da televisão vemos uns livros à esquerda e umas capas de VHS à direita, com filmes que de certa forma permeiam indiretamente "Clímax, como "Um cão andaluz, Saló, Harakiri, Suspíria, Querelle e Zombie); o segundo mostra o ensaio da companhia em si, diversas coreografias (talvez a melhor parte do filme) onde a câmera segue tudo em um grande plano sequência labiríntico; um terceiro onde todos bebem a sangria infestada de LSD e começam a ter sérias alterações comportamentais, com um destaque para a exploração claustrofóbica da mise-en-scène no uso vertiginoso da câmera sempre marcada pelo movimento instável de uma steady cam.

O cinema de Noé está voltado para quem gosta de um cinema impregnado de excessos. Além de exagerar em seu pensamento imagético, ele também pesa a mão na camada sonora de seus filmes, e aqui em "Clímax" não é diferente. O som do filme é desproporcional, gritado mesmo. Noé combina especialmente gritos variados com uma insistente música ambiente (não à toa tem um DJ comandando uma pickup infernizante). E por falar em exagero, ele é marca da própria visão dramatúrgica de Noé. Os personagens depois de consumirem a sangria com LSD começam a tomar atitudes extremadas, até inverossímeis. Alguns se autoflagelam, outros botam fogo no cabelo, se agridem mutuamente e gratuitamente. Inicialmente tudo é potente entre os jovens, para depois se tornar algo  exponencialmente violento, descomunal e sem sentido.                         

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Como bem gosta de desenvolver em seus filmes, Noé passa uma sensação imensa e intensa de querer  invadir as cenas e seus personagens. Há algo de doentio disso em "Clímax", um egocentrismo irrefreável do diretor no captar das cenas, como se quem está por trás das câmeras quisesse se projetar para a frente delas e isso traz uma sensação de manipulação explícita, perversa, de um domínio descabido de cada enquadramento. Quando Noé inverte a imagem e bota tudo de cabeça para baixo esse sentimento fica mais latente. Para não restar dúvidas disso, o diretor se impõe em textos gráficos exorbitantes no tamanho e na mensagem. O excesso a essa altura já assume níveis insustentáveis. Agora tudo está explícito, o grafismo dele está posto em todos as cenas, mas agora isso não é mais suficiente. Gaspar Noé precisa gritar mais, precisa dizer com letras garrafais: "A VIDA É UMA IMPOSSIBILIDADE COLETIVA".

Qual o sentido de subtrair do mundo qualquer resquício de sutileza e insistir em aproximações destrutivas avassaladoras? Para quem interessa essa destruição pela destruição? Para que afirmar e reafirmar processos autodestrutivos vazios? A quem se está destruindo em "Clímax"? "Clímax", de Gaspar Noé, aposta numa simples autodestruição humana, o que já causa em si um grande incômodo por retirar de sua obra qualquer lampejo de esperança e fé na humanidade. Mas não para por aí. Para agravar conjuga-se a tudo isso um sublinhar irritante, um vigor egocêntrico desnecessário de seu realizador a contagiar cada cena. Assim, assistimos descaradamente o caos humano ser sublimado pela presença destrutiva e egóica dos maneirismos de Gaspar Noé. O mundo pode até ser um desastre total, mas Noé não, ele é o tal.

Visto no Espaço Itaú de Cinema 5, no dia 02/02/2019.
Cotação: 1/5
                                                                                                          

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