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TEMPORADA - Direção de André Novais Oliveira

Resultado de imagem para filme Temporada Andre Novais

Densidade na simplicidade

Temporada, segundo longa do diretor mineiro André Novais Oliveira, da produtora Filmes de plástico, foi o grande vencedor do 51° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e com muita justiça. A sua estrutura narrativa pode até, enganadoramente, aparentar ser de uma simplicidade extrema, todavia ela constitui a própria estratégia de construção fílmica de Novais, conforme já havia esboçado em Ela Volta na Quinta, seu primeiro longa.

Na verdade, o esforço do cinema que Novais vem percorrendo é o de tentar reconstruir o cotidiano, sempre de pessoas simples e que vivem nas periferias. Há nessa proposta um requinte fora do comum, a cada plano do filme sente-se isso, em especial se pensarmos nos corpos que habitam esse território, cotidianamente, desprezados e invisibilizados pelo sistema econômico e social. O que o cinema de Novais faz é potencializar essas corpos, os promovendo ao protagonismo, terreno onde jamais transitam, a não ser como eventuais bandidos ou algo similar.


A história se passa em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte. Parece que o diretor quer realizar um tipo de inventário do viver, não necessariamente da vida como ela é, mas sim da vida como a sentimos. Novais faz esse cotidiano nos soar familiar e íntimo, por isso a ideia de incorporar em sua obra a própria maneira de falar do cidadão da periferia.

Um personagem fundamental para a estruturação do filme é o Russão. Ele tem o jeito de falar e expressar do homem simples e humilde. Ele também tem uma posição dentro da narrativa de ser o alívio cômico, o que arranca belas gargalhadas do público.


Há em "Temporada" uma ode à beleza, não uma fabricada pelos comerciais de TV e padronizada por novelas e pelo cinema, mas sim uma construída docemente pelo próprio viver cotidiano. A poesia do filme nasce desse fluir, da vida que precisa ser vivida mesmo com seus inúmeros percalços. Nos faz lembrar que antes de termos um sonho precisamos reafirmar a própria existência. E e nesse terreno que a obra de Novais se sustenta.

"Temporada" traz sutilezas surpreendentes, que potencializam muito o conceito estético do filme. Logo na cena de abertura, o som das fábricas e o ressoar das ruas são fundamentais para enriquecer o todo, na medida em que muito dizem sobre a história e a criação desse ambiente.

É muito prazeroso assistir a cada novo trabalho o amadurecimento de André Novais. E agora em Temporada, praticamente não temos um discurso aberto e explícito por bandeiras. Mas isso não quer dizer que Novais está alheio à elas, muito pelo contrário. A escolha da excelente Grace Passô para o elenco já diz muito sobre. Todavia Novais visivelmente prefere criar seu discurso pela imagem e de forma orgânica. E isso fica claro na maneira na qual ele filma a única cena de sexo de Temporada. Mostrar a beleza de um casal negro trepando já seria um ato político em si, porém, o fenomenal é que são corpos totalmente fora dos padrões socialmente instituídos. Difícil mensurar a contribuição que essa cena representa para o cinema brasileiro, e até mais, para a nossa sociedade secularmente retrógrada.  


Essa cena citada acima atinge o nervo da discussão, e sua potência está justamente na desconstrução da padronização que sustenta um determinado modelo de beleza, que ratifica o colonizador branco e europeu, e mais ainda, implica em diversos níveis sobre o que deve ou não ser consumido e admirado pela sociedade. Esse ponto de vista não é somente extremamente necessário, mas sobretudo politicamente urgente.

A força e a potência do cinema de André Novais Oliveira pode ser aparentemente simples na sua realização. Entretanto, ao se analisar os meandros de sua obra descobre-se o quanto robusta ela é. O que prova que a leveza também pode trazer um discurso poderoso. Em especial quando o discurso da imagem prevalece sobre o que é dito em palavras, o que felizmente é o caso de Temporada. É a delicadeza de um território comumente aceito como violento, a maior contra-análise que o filme nos oferece como resposta.

Visto no Festival de Brasília, em 21/09/2018.
4 e meio/5

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