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Os 10 filmes que mais me impressionaram em 2018





Cada pessoa vê o cinema de uma forma. Sei que isso é evidente e até óbvio, afinal, assim vemos o mundo, sempre a nosso modo. Entretanto somos, além de curiosos, mutáveis, o que nos aguça a querer ouvir e ler opiniões alheias.  Mas isso não impede amorosas aproximações e distanciamentos críticos em relação ao que se lê. Se as pessoas em geral se relacionam nessa (in)conformidade, tente imaginar os críticos entre si.

Mas os críticos(as) e cinéfilos(as) são ritualistas e metódicos(as) e dezembro é aquela epoca onde eles em todo mundo fazem suas listas de melhores. Alguns chegam a fazer inclusive dos piores, de certo há um exagero nessa opção, mas vamos lá porque as coisas não são tão óbvias quanto parece. Uns preferem os 20 mais, os 50, outros mais intensos, os 100 mais. Mas prefiro ficar no desafio dos 10, já que aqui há o gosto declarado pela concisão. Isso não quer dizer que os outros filmes assistidos não possuem valor. Há sempre muita dose de subjetividade nas escolhas.

Cabe aqui um esclarecimento. Não sou afeito às listas de melhores. Se alguém pensa que é porque não quero me posicionar perante às obras está redondamente enganado. Nunca fiz listas, essa é a primeira, porque não gosto de hierarquia em arte. Sei que a maioria discorda, fique à vontade, mas eu sou assim e penso assim.

Por isso a lista que segue não tem hierarquias e também nao pretende ser incontestável e onipresente. Outros filmes poderiam estar presentes com seus méritos ressaltados. No final, destaco outros filmes que poderiam também estar na lista, mas acabaram não entrando, apesar de terem nosso carinho.

Um esclarecimento: todos os filmes aqui mencionados foram lançados no circuito das salas de cinema. Não estão incluídos os filmes lançados em streaming. Essa já é em si uma postura política declarada, entenda como quiser essa politização, mas faz parte do meu arcabouço de como pensar o cinema.

Muitos podem perguntar por Roma, o filme de Cuarón, mas explico. Tentei ver no cinema, todavia descobri ao tentar fazer o agendamento pelo site a enganação da Netflix de "levar" um filme ao cinema só para constar. Tentei várias vezes e nunca tinha assento disponível, o que é lamentável. Apenas uma tramóia para concorrer ao Oscar. A Netflix nesse ponto é bem contraditória, pois briga para não lançar seus filmes nos cinemas, mas não quer abrir mão desses espaços para a premiação de suas produções nos principais festivais de cinema.

Muitos que aqui me acompanham, sabem que paralelamente à função de crítico (que faço apenas por abnegação e amor ao cinema e o pensar sobre ele), também atuo no mercado audiovisual e por isso tenho uma visão muito crítica a como cada filme chega ao público. Minha concepção do mercado e do cinema está assentada nessa experiência de ver e sentir a bocarra dos setores dominantes desse mercado. Por ser um negócio que vive do momento da diversão das pessoas a cegueira seja maior. Mas que fique claro, o audiovisual é um dos setores com maior concentração econômica do mundo. A questão dá muito "pano pra manga", mas de qualquer forma considero importante mencionar e pincelar levemente minhas impressões, por mais que pareçam ainda suscintas.

A seguir a lista, e posteriormente, pequenos comentários explicativos.

- Visages, Villages - Direção Agnes Varda e JR.

- O beijo no asfalto - Direção Murilo Benício

- Benzinho - Direção Gustavo Pizzi

- Arábia -  Affonso Uchoa e João Dumans

- Trama fantasma - Direção Paul Thomas Anderson

- O processo - Direção Maria Augusta Ramos

- Hannah - Direção Andrea Pallaoro

- Projeto Flórida - Direção Sean Baker

- O infiltrado na Klan - Direção Spike Lee

- O dia depois / A câmera de Claire - Direção Hong Sang-Soo

Animação de destaque: A Ilha dos cachorros - Direção Wes Anderson

Visages, Villages

Ter Agnès Varda nessa lista é uma declaração de amor ao cinema e de como ele se constrói como tal. A força de uma cineasta que se reinventa e reinventa o próprio papel político da imagem no mundo contemporâneo. Com Visages, Villages Varda amplia esse conceito da imagem como parte da vida dos personagens, como uma extensão de sua própria vida. Um cinema que parte de si e se expande para o mundo.

O beijo no asfalto

O filme brasileiro mais impactante do ano, de longe o mais criativo, que parte de uma obra manjada, muito batida e imprime nela uma versão cinematográfica sem igual e desafiadora. E quem diria que veríamos Murilo Benício dirigindo um dia e com essa sofisticação impressionante. De brinde uma presença sem igual de Fernanda Montenegro, esbanjando talento e humanidade.

Benzinho

Se tem um filme onde a direção de atores encontrou uma carpintaria trabalhada com todo o esmero possível esse filme foi Benzinho. A naturalização nas interpretações vem sendo exaustivamente buscada em um certo cinema contemporâneo brasileiro, e tem aqui, a meu ver, sua melhor expressão. Não à toa é uma obra para se deixar levar pelos personagens, todos muito bem explorados e profundamente brasileiros. Um filme sobre gente simples e que traça diversas metáforas sobre o Brasil de hoje.

Arábia

Um filme especial, para ser visto com todos os sentidos e que nos abraça ternamente. Daí sua grandeza. Parece que ele não quer nada de nós, apenas estar ali acontecendo em sua ternura. Em algum momento do filme tem uma frase que diz mais ou menos isso: "O que fica é a nossa lembrança de tudo que vivemos." Por isso um filme dado pela arte da fabulação, uma obra que nasce clássica. De brinde temos uma trilha musical belíssima com direito a uma linda música de Renato Teixeira, na qual queremos irremediavelmente morar nela.


Trama  Fantasma

O talento de Paul Thomas Anderson já conhecíamos, mas com Trama fantasma ele nos apresenta uma maturidade artística e uma consistência admiráveis. A sutileza permeia integralmente o filme, a cada momento camadas e mais camadas são desenvolvidas em um espetáculo cinematográfico poucas vezes visto. Tudo escorado no talento soberbo e pleno de um Daniel Day Lewis arrebatador. Uma obra que esmiúça relações, penetra na intimidade para revelar tensões. Uma obra deleitosa para ser vista e revista.


O Processo

Se não dá para desvincular cinema e vida, O Processo é um ótimo exemplo disso. A proposta de Maria Augusta Ramos de invadir os bastidores do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, com uma câmera observacional foi um achado do tanto que nos revelou em detalhes e meandros do próprio processo político brasileiro. Um filme que fala do presente e nos faz pensar sobre o passado autoritário de uma elite que luta ferozmente para manter seus privilégios.

Hannah

Hannah é um filme inteiramente calcado no consistente trabalho da extraordinária atriz Charlotte Rampling. Uma obra profundamente feminina contada exclusivamente sob o seu ponto de vista. Um cinema realizado com poucos diálogos, onde o poder das ações e da interpretação fizeram a diferença. Um filme duro sobre a solidão, o abandono de uma mulher com uma vida sem-graça. Hannah é um cinema necessário, que nos faz pensar sobre os nossos dramas em uma sociedade cada vez mais desumanizada.

Projeto Flórida

Projeto Flórida projeta o cineasta Sean Baker como uma das grandes revelações do mundo cinematográfico norte-americano. Depois de surpreender com Tangerine, ele nos entrega uma obra vigorosa, onde a câmera possui um papel importante na narrativa. A interpretação da atriz mirim Brooklynn Prince surpreende pela marcante atuação, enquanto vemos um William Dafoe no ponto certo. O filme trabalha as contradições de um mundo profundamente desigual e injusto. A Disney com sua imponente presença funciona como uma metáfora significativa desse processo onde os mais ricos continuam mais ricos enquanto os pobres  precisam se virar a todo custo para simplesmente sobreviver.

O infiltrado na Klan

É sempre motivo de satisfação ver um cineasta do calibre de um Spike Lee voltar a realizar um filme potente. O infiltrado na Klan é isso, a volta por cima de um ícone do cinema afro-americano. Spike surpreende ao misturar uma narrativa convencional com pitadas documentais inseridas nos momentos precisos. O mais surpreendente é o quanto ele consegue realizar um filme com generosas doses políticas que funciona como uma dinamite jogada no colo do prepotente governo racista de Donald Trump. Um cinema que apesar de flertar rasgadamente com o entretenimento, com um humor vigoroso, consegue lançar discussões profundas sobre a contraditória sociedade norte-americana.

O dia depois / A câmera de Claire
Se tem um cineasta que vem a cada ano ganhando mais admiradores ele chama-se Hong Sang-Soo. Metalinguagem, a presença de Kim Min-Hee, a conversa em torna da mesa, a bebedeira, o zoom da câmera no meio da cena são algumas das características que vem chamando atenção em seu trabalho. Um diretor que vem de modo inconteste formando uma autoralidade. O que mais impressiona no seu cinema é uma complexidade escondida numa aparente simplicidade das situações criadas em sua mise-en-scène.

A ilha dos cachorros
Wes Anderson é outro cineasta que vem se destacando pela originalidade de sua forma de filmar. Nessa animação, o que mais chama atenção é a minúcia, o detalhismo de cada elemento em cena e a movimentação de seus personagens. Em A ilha dos cachorros o movimento das câmeras chama bastante atenção, característica já sedimentada em todos os seus filmes anteriores.  

Filmes que merecem serem mencionados
A forma da água
Me chame pelo seu nome
Western
Ex-pajé
Antes que o tudo desapareça
Esplendor
Custódia
À sombra de duas mulheres
O pacto de Adriana
Auto de resistência
Uma casa à beira-mar
As herdeiras
Sem data, sem assinatura
Um dia
A última abolição
Maria Callas





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