Vivendo a história e a política no 51° Festival de Brasília - Por Marco Fialho
O segundo dia do festival de Brasília (15/10) mostrou que esse ano o clima será mais para acalorado do que para calmaria. Três longas foram vistos hoje. O público dá indicios de que participará politicamente de forma efusiva. Parece que a efervescência eleitoral tomou conta de vez e reverbera nas reações aos filmes. A própria curadoria do festival optou em resoar o momento político e promoveu escolhas incisivas e em consonância com os anseios vindos da plateia.
A maior prova desse magnetismo foi a exibição do primeiro longa da mostra competitiva, o filme Torre das Donzelas, que arrancou muitos aplausos durante a projeção e palmas consagratórias ao final, em especial quando a diretora Susanna Lira expôs os rostos das 30 entrevistadas que passaram pela prisão e tortura no Presídio Tiradentes (SP) durante o período de exceção durante a ditadura civil-militar iniciada em abril de 1964.
E toda a comoção da plateia é mais do que justificada, afinal, dentre as prisioneiras entrevistadas estava a presidenta Dilma Rousseff. Todo esse envolvimento emocional inclusive dificulta uma visão mais justa em relação ao filme, já que o tema tende obliterar uma análise mais aprofundada sobre as opções de Susanna Lira. De fato, lá pelo meio do filme sentimos que a quantidade de 30 entrevistadas torna tudo muito repetitivo e cansativo, ainda mais que foi estabelecida uma abordagem narrativa que pouco nos surpreende no decorrer da obra e que de certa forma padroniza o resultado. Algumas trilhas musicais também tendem a acentuar e muitas vezes até forçar um maior clima dramático, o que enfraquece algumas cenas, de que o filme potencialmente não precisava.
Se por um lado a escolha da reconstrução do ambiente prisional fortalece o lado poético do filme, por outro lado acaba por retirar sua contundência, seu lado denúncia que até combinaria mais com a proposta.
Mas não tem como tirar de Torre das donzelas sua importância e peso político para o nosso momento atual. Se cinematograficamente o filme tem umas rateadas, no aspecto mais amplo ele ganha uma força impressionante e a exibição dele em Brasília ratifica essa assertiva.
Outro trunfo do filme é o seu desfecho, onde Lira consegue resgatar seu filme e lhe conferir essa força, a partir dos depoimentos onde as presas políticas falam como o período prisional impactou em suas vidas e revelam seus desenhos da Torre das donzelas. Susanna Lira consegue então demonstrar pela diferença nos desenhos, a riqueza das vozes, o impacto que o local deixou em cada uma das presas políticas.
O primeiro longa do dia foi Elegia de um crime, dirigido por Cristiano Burlan, que narra uma história que envolve o assassinato de sua mãe, em 2011. O fato do próprio Burlan ser o protagonista da história confere ao filme uma força surpreendente. Cinema, psicanálise, conflito social e feminicídio embalam esse desafio de Burlan falar de uma ferida familiar dura e difícil de abordar.
Em uma montagem paralela, o filme narra o reencontro com irmãos e outros familiares e uma tentativa de encontrar o assassino que ainda está foragido da polícia. É inevitável assistir ao filme e não refletir sobre a relação ética no documentário, dos limites entre o que filmar e o que mostrar no filme, enfim, ainda permite que nos perguntemos até onde podemos ir com o nosso filme? No debate após o filme, o próprio Burlan admitiu o quanto é complicado lidar com toda essa situação. Os aplausos ao final foram tímidos, mais pelo tema em si do que pela qualidade do filme. A carga emocional vinda da tela definitivamente não posssibilitava atos efusivos. A contrição era o recomendável.
O último filme da noite, e o segundo longa da mostra competitiva, Los silencios, também foi bastante aplaudido, apesar de não ter sido tão efusivamente quanto o foi o filme de Susanna Lira. A obra se revela um trabalho sensível, com uma direção segura e que quase sempre caminha para aspectos mais simbólicos, o que é um acerto da diretora Beatriz Seigner.
Los silencios consegue abordar com sutileza o tema dos refugiados, sendo uma obra situada na fronteira tanto territorial quanto humana. A fotografia capta bem a atmosfera lúgubre do espaço ao mesmo tempo que a dramaturgia caminha afinada, sem afetações, extraindo sobretudo da personagem infantil Nuria, potentes momentos de interpretação, mesmo que ela não pronuncie uma só palavra durante todo o filme.
Se as próximas sessões forem tão impactantes quanto a de hoje, significa que teremos dias muito estimulantes pela frente, o que trará reações inesperadas nos espectadores, mas garantirá emoções plenas. A ansiedade já ganha a madrugada.
Escrito na madrugada do dia 16/10/2018.
O segundo dia do festival de Brasília (15/10) mostrou que esse ano o clima será mais para acalorado do que para calmaria. Três longas foram vistos hoje. O público dá indicios de que participará politicamente de forma efusiva. Parece que a efervescência eleitoral tomou conta de vez e reverbera nas reações aos filmes. A própria curadoria do festival optou em resoar o momento político e promoveu escolhas incisivas e em consonância com os anseios vindos da plateia.
A maior prova desse magnetismo foi a exibição do primeiro longa da mostra competitiva, o filme Torre das Donzelas, que arrancou muitos aplausos durante a projeção e palmas consagratórias ao final, em especial quando a diretora Susanna Lira expôs os rostos das 30 entrevistadas que passaram pela prisão e tortura no Presídio Tiradentes (SP) durante o período de exceção durante a ditadura civil-militar iniciada em abril de 1964.
E toda a comoção da plateia é mais do que justificada, afinal, dentre as prisioneiras entrevistadas estava a presidenta Dilma Rousseff. Todo esse envolvimento emocional inclusive dificulta uma visão mais justa em relação ao filme, já que o tema tende obliterar uma análise mais aprofundada sobre as opções de Susanna Lira. De fato, lá pelo meio do filme sentimos que a quantidade de 30 entrevistadas torna tudo muito repetitivo e cansativo, ainda mais que foi estabelecida uma abordagem narrativa que pouco nos surpreende no decorrer da obra e que de certa forma padroniza o resultado. Algumas trilhas musicais também tendem a acentuar e muitas vezes até forçar um maior clima dramático, o que enfraquece algumas cenas, de que o filme potencialmente não precisava.
Se por um lado a escolha da reconstrução do ambiente prisional fortalece o lado poético do filme, por outro lado acaba por retirar sua contundência, seu lado denúncia que até combinaria mais com a proposta.
Mas não tem como tirar de Torre das donzelas sua importância e peso político para o nosso momento atual. Se cinematograficamente o filme tem umas rateadas, no aspecto mais amplo ele ganha uma força impressionante e a exibição dele em Brasília ratifica essa assertiva.
Outro trunfo do filme é o seu desfecho, onde Lira consegue resgatar seu filme e lhe conferir essa força, a partir dos depoimentos onde as presas políticas falam como o período prisional impactou em suas vidas e revelam seus desenhos da Torre das donzelas. Susanna Lira consegue então demonstrar pela diferença nos desenhos, a riqueza das vozes, o impacto que o local deixou em cada uma das presas políticas.
O primeiro longa do dia foi Elegia de um crime, dirigido por Cristiano Burlan, que narra uma história que envolve o assassinato de sua mãe, em 2011. O fato do próprio Burlan ser o protagonista da história confere ao filme uma força surpreendente. Cinema, psicanálise, conflito social e feminicídio embalam esse desafio de Burlan falar de uma ferida familiar dura e difícil de abordar.
Em uma montagem paralela, o filme narra o reencontro com irmãos e outros familiares e uma tentativa de encontrar o assassino que ainda está foragido da polícia. É inevitável assistir ao filme e não refletir sobre a relação ética no documentário, dos limites entre o que filmar e o que mostrar no filme, enfim, ainda permite que nos perguntemos até onde podemos ir com o nosso filme? No debate após o filme, o próprio Burlan admitiu o quanto é complicado lidar com toda essa situação. Os aplausos ao final foram tímidos, mais pelo tema em si do que pela qualidade do filme. A carga emocional vinda da tela definitivamente não posssibilitava atos efusivos. A contrição era o recomendável.
O último filme da noite, e o segundo longa da mostra competitiva, Los silencios, também foi bastante aplaudido, apesar de não ter sido tão efusivamente quanto o foi o filme de Susanna Lira. A obra se revela um trabalho sensível, com uma direção segura e que quase sempre caminha para aspectos mais simbólicos, o que é um acerto da diretora Beatriz Seigner.
Los silencios consegue abordar com sutileza o tema dos refugiados, sendo uma obra situada na fronteira tanto territorial quanto humana. A fotografia capta bem a atmosfera lúgubre do espaço ao mesmo tempo que a dramaturgia caminha afinada, sem afetações, extraindo sobretudo da personagem infantil Nuria, potentes momentos de interpretação, mesmo que ela não pronuncie uma só palavra durante todo o filme.
Se as próximas sessões forem tão impactantes quanto a de hoje, significa que teremos dias muito estimulantes pela frente, o que trará reações inesperadas nos espectadores, mas garantirá emoções plenas. A ansiedade já ganha a madrugada.
Escrito na madrugada do dia 16/10/2018.
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