Por Marco Fialho
O filme se divide em três partes principais: a visão jurídica, o desenrolar dessa decisão e o desfecho trágico. Esses três blocos não são exatamente equilibrados, o segundo deles (o mais extenso), onde a tensão entre os personagens é mais desenvolvida, o diretor Xavier Legrand amplia demais o arco dos personagens, deixando alguns com pouca consistência. A mãe Miriam (Léa Drucker) é um bom exemplo, seu protagonismo se esvai e a figura do pai Antoine (Denis Ménochet) e a do filho Julien prevalecem. A filha Josephine, que vive o final de sua adolescência parece estar no enredo para preencher algumas lacunas, para criar situações que azeitam o roteiro, como a festa que serve de pano de fundo para muitas das ações vindouras. Já o primeiro e o último blocos são ambos desenvolvidos com precisão, ambos costuram bem a ideia central do filme e mantém o magnetismo, em especial a asfixiante sequência final.
Legrand inicia "Custódia" sob a fria luz da lei, em uma audiência onde duas advogadas e uma juíza decidem sobre os direitos de um pai e uma mãe em relação ao seu filho mais novo Julien, já que a filha mais velha, Josephine, já é maior de idade e pode tomar suas decisões. Perante à justiça todos demonstram-se controlados, há um visível jogo cênico que pouco expressa o cotidiano dos envolvidos na contenda. Só que na vida cotidiana tudo é bem mais quente do que a princípio parece ser.
No decorrer da segunda parte do filme, o passado violento do pai vai sutilmente sendo revelado tanto nos diálogos dos personagens como em algumas de suas reações e gestuais, sobretudo os do menino Julien, interpretado de forma magnífica por Thomas Gioria, talvez o grande destaque dessa obra. O tempo inteiro o medo da violência do pai se faz presente. A cada ação tudo de mais violento é esperado dele. Assim, o protagonismo de Julien se constrói progressivamente, não à toa ele é o alvo da ação de custódia e todas as lutas familiares o perpassam. Legrand nos brinda com uma crônica com uma atmosfera densa e com fortes pitadas de desconforto. O que pensamos o tempo todo ao assistir "Custódia" é que algo muito trágico pode transcorrer a seguir, que Antoine será mais violento a cada nova cena e que o trágico está a caminho.
Talvez seja importante lançar algumas reflexões acerca da construção do personagem de Antoine. Há sempre nele uma dose considerável de violência, não só física como também psicológica. Curiosamente Legrand também trabalha a relação dele com os pais. Entretanto nada há ali que espelhe suas atitudes ou a justifiquem de alguma forma sua agressividade. Então paira a pergunta: para que então incluí-los no enredo? Ou será a violência desproporcional dele algo de inato? De onde vem esse amor dele pela caça? A sua naturalização da violência passa pela prática da caça? São apenas dúvidas para serem pensadas. Entretanto, o passado familiar de Antoine como pai e marido é assustador, basta observar o olhar que o menino e Miriam dirigem a ele. Teria então Legrand relegado a Antoine um papel sem muitas camadas e descambando assim para o maniqueísmo? Carecia talvez um trabalho mais esmiuçado no roteiro que aprofundasse ou sinalizasse um algo a mais sobre o distúrbio psíquico desse personagem. Suas camadas parecem pouco desenvolvidas para um protagonista.
A ausência de música na camada sonora do filme faz com que a trama adquira uma maior dramaticidade, já que os sons ambientes são trabalhados constantemente para acentuar a tensão. Na sequência final então tudo é mais amplificado ainda, sua angustiante construção nos aproxima de algo verdadeiramente aterrorizante. A cada novo som tudo parece sempre estar no limite, a espacialização do som, com a alternância dos silêncios com sons fortes aumentam a nossa sensação de agonia. Legrand consegue criar um final de impacto, com interpretações marcantes e precisas dos atores, mas "Custódia" infelizmente esbarra em alguns problemas de roteiro, que se não comprometem o todo, enfraquecem as partes, que são fundamentais para o aprofundamento das questões levantadas no filme.
De qualquer forma, "Custódia" abre as portas para a discussão do importante tema da violência doméstica, onde mulheres e crianças são irremediavelmente as maiores vítimas desse crime absurdo, ainda tão presente em nossa sociedade contemporânea. Tirar o assunto da invisibilidade já se constitui em si uma virtude inconteste, todavia, potencializar isso pela linguagem do cinema é igualmente outro mérito a ser creditado a Xavier Legrand.
Visto no dia 04 de julho de 2018, em link.
Cotação: 3/5
Cotação: 3/5
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