
Crítica de Marco Fialho
A fascinante Daniela Vega e a fantástica Marina
Visto no Estação Net Rio 4, em 2017, mas não lembro a data exata.
Cotação: 4/5
A fascinante Daniela Vega e a fantástica Marina
Quem assistiu “Glória”, filme de 2013,
do diretor chileno Sebastián Lelio sabe de sua habilidade e talento em
desenvolver narrativas centradas em uma única personagem. Em “Glória”, há a
explosão irrefutável de Paulina Garcia ao estrelato, dada à beleza de sua
performance no filme. Analisando desse ponto de vista, em “Uma Mulher
Fantástica” o resultado não é diferente. A personagem Marina é de um vigor tal
que é impossível assistir ao filme e ficar indiferente. A entrega da atriz Daniela Vega é de uma magnitude poucas vezes vista no cinema. Não
por acaso, por onde passou o filme atropelou preconceitos e angariou adeptos
fervorosos. Festivais, salas de cinema, nada resistiu à fúria terna da
garçonete/cantora Marina. Até mesmo o Oscar, maior premiação do mercado de
cinema de Hollywood se curvou ao furacão que é essa mulher chamada
Marina/Daniela Vega. Friso as duas, personagem e atriz, já que há uma
dificuldade em saber pela qual ficamos impressionados e fascinados.
Marina como todos nós, quer ser amada,
e ao conhecer o bem-sucedido Orlando vive exatamente esse sonho, o da
felicidade a dois. Mas a morte inesperada de seu parceiro apaixonado transforma
o seu paraíso em um inferno imediato, sem filtros. Além de ter que lidar com
seu luto, Marina vai enfrentar o preconceito da família normativa de Orlando, na
tentativa de literalmente apagá-la da vida dele. “Uma Mulher Fantástica” a
partir daí cresce e muito. As opções imagéticas de Lelio são ricas, ele procura
criar imagens simbolicamente potentes e consegue resultados primorosos.
Não podemos pensar nesse filme sem
refletir sobre empoderamento, luta contra preconceitos, a necessidade de lutas
afirmativas, direito à liberdade de expressão, de ser e de viver. Para além da forma fílmica, “Uma Mulher Fantástica” traz à luz uma discussão fundamental
e a faz de uma forma tão afetuosa e necessária que a torna mais urgente ainda
de ser encarada. E que fique claro, essa é uma questão para o
mundo heteronormativo, não para os das(os) transexuais, pois afinal elas são e
não estão pedindo permissão para viverem. O preconceito e a violência não vem
desses corpos , vem sim dos corpos ditos ou aceitos socialmente como normais. O filme abarca indiretamente essa discussão e a realiza de maneira
muito afirmativa e apaixonada.
Algumas cenas de “Uma Mulher
Fantástica” ficam em nós, se entranham mesmo, tamanha a sua força. Lelio é
muito feliz ao construir imagens expressivas pelas ruas de Santiago. Gostaria
de resgatar algumas como exemplo. Há uma cena em que Marina enfrenta uma
tempestade de vento. O diretor coloca Marina literalmente tentando caminhar,
dar passos à frente, mas a força desse vento é tão furioso que ela parece estar
sendo jogada para trás. Em uma imagem apenas, Lelio diz tanto sobre a
personagem, e também sobre a sua dificuldade de viver naquele mundo, daí a
importância de ela estar na rua, em um ambiente público. Algo deve ficar claro,
a dificuldade dessa mulher transgênera é social, não pessoal. A sociedade cisgênera é
que precisa respeitá-la em sua identidade e o filme trabalha consistentemente contra a transfobia.
Há ainda duas cenas, onde aparece
espelhos que são impactantes e belas, e merecem também serem comentadas e
analisadas. Quero começar pela cena mais íntima, uma cena interna, vivida na
casa de Marina. Lelio foi muito feliz ao filmá-la e fotografá-la, já que tanto
o enquadramento quanto à fotografia são primorosos. A cena é relativamente
simples, mas de enorme impacto. Marina pega um pequeno espelho e o coloca na
direção do seu sexo. E o que vemos é o seu rosto feminino e belo. O truque
evidentemente é puramente cinematográfico e repleto de empoderamento ao mostrar
em uma única imagem um ângulo onde expõe a subjetividade de Marina, como ela vê seu corpo e sua identidade. É de uma beleza rara de ver no cinema.
A outra cena com espelho se passa na
rua, quando vemos dois homens carregando um grande espelho e Marina casualmente
passa, tal como fosse uma bela garota de Ipanema, e vemos sua imagem duplicada.
Essa imagem nos chega com um poder estrondoso, ela representa a dualidade
transgênera, entretanto, nas duas imagens quem está lá é Marina, mas não podemos
esquecer que também Daniela Vega. Essa imagem nos diz que tanto a personagem quanto a atriz são trans. É uma imagem bela, que pode ter muitos significados,
inclusive a de que o mundo precisa de mais Danielas e Marinas, pois afinal elas
são fantásticas.
Visto no Estação Net Rio 4, em 2017, mas não lembro a data exata.
Cotação: 4/5
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