
Crítica de Marco Fialho
Nas entranhas de uma família ou da ditadura de Pinochet?
Desorientado. É assim que saímos desse perturbador "O Pacto de Adriana", filme que aborda a ditadura chilena do General Augusto Pinochet. O que mais nos prende ao filme não é só o relevante tema da ditadura chilena, mas sim a narrativa e o drama da jovem diretora, Lissette Orozco, que a princípio tem como objetivo provar a inocência de sua tia, Adriana Rivas, acusada por muitos de ser torturadora durante o regime ditatorial do Governo Pinochet, quando esta trabalhava na DINA (Diretoria de Inteligência Nacional), uma espécie de polícia secreta, comandada e criada com mão de ferro por Manuel Contreras, um dos homens mais cruéis desse período obscuro da história chilena.
O grande trunfo do filme é a sua montagem, que tem como objetivo construir o próprio processo doloroso no qual a diretora mergulhou tanto na história secreta de sua família quanto na de seu próprio país, um duplo e duro acerto de contas que nos indaga o quanto de nossas vidas privadas é entremeado pela vida social. O exemplo extremo de Adriana Rivas e Lissette Orozco é um bom mote para se levantar a discussão do quanto somos seres sociais, mesmo quando levamos a vida negligenciando este fato.
Muito interessante como Lissette Orozco vai lentamente se tornando mais do que personagem uma protagonista de seu próprio filme. A frequência de sua imagem à frente das câmeras vai recrudescendo de tal forma que ao final não resta mais dúvidas de seu protagonismo. E a montagem resolve isso muito bem. Primeiro na imagem idílica acerca da tia "la Chany", como era carinhosamente chamada Adriana na família, uma princesa, "parecia uma artista de cinema". A imagem da tia boazinha e alegre, que frequentava o imaginário desde a infância de Lissette, vai se acanhando a cada nova descoberta sobre o possível envolvimento da tia nas sessões de tortura da ditadura de Pinochet.
A presença da tia acontece sempre pelo skipe ou em vídeos e fotografias de época, tanto em família quanto em seu trabalho durante o regime de Pinochet. Aos poucos, Lissette Orozco vai saindo de sua bolha, ampliando sua visão sobre o passado político do Chile pós-1973. Do ponto de vista visual, o filme é simples, não conta com recursos mirabolantes ou uma grande equipe. Aos poucos os requintes de crueldade do regime militar vai ficando evidente e a indignação nossa passa também a ser a da diretora Lissette Orozco.
O que está em jogo em "O Pacto de Adriana" é o estatuto da verdade, em sua mais profunda essência, e nesse viés, o empenho de Orozco é extraordinário, entretanto extremamente compensador para ela e para o público. Olhar para as ranhuras do passado de sua família tem um preço altíssimo de se ter que desestruturar algo que está montado como uma grande árvore da felicidade. A verdade pode doer, mas perscrutá-la também é uma forma de redenção. Nesse ponto, o Chile está à frente do Brasil, pois encarar e meter o dedo em suas feridas permite que o seu país olhe para trás para não voltar a ele. Aqui vivemos ameaçados e assombrados pelo nosso passado. Será que o exorcizamos como deveríamos, ou fomos jogando para debaixo do tapete suas sujeiras e nos arriscando que ele volte com mais acúmulo ainda de poeira? Repensar nossos erros e caminhos é sempre o mais saudável a se fazer, por mais que seja também o mais doloroso. Quem agradece é o futuro. E ao assistir ao desafio de Lissette Orozco fiquei a imaginar o quanto o cinema pode ser vital para se repensar uma sociedade.
Visto no Estação Net 1, em 19 de maio de 2018.
Cotação: 3 e meio/5
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