
Muito para além das imagens
Crítica de Marco Fialho
O ponto forte do filme "Western", dirigido pela alemã Valeska Grisebach, está em algo posto para além da cena. Trata-se de uma obra onde o que não vemos no quadro assume proporções determinantes para o enredo em si. A relação histórica entre Alemanha e Bulgária contorna permanentemente o que acontece em cena e protagoniza diversos conflitos desencadeados em "Western". O que proponho então é pensá-lo tendo como referência sempre o extra-campo.
Desse ponto de vista, o próprio título "Western" se torna mais um elemento a ser visto e refletido. Qual seria a analogia a ser feita? Afinal, várias são possíveis e a Alemanha sequer é um país fronteiriço à Bulgária. Mas em se falando disso, o que seriam as fronteiras do mundo de hoje? E as que existem, o que elas determinam e delimitam exatamente? Mas esse é um daqueles filmes muito mais para nos desafiar do que para obtermos respostas rápidas, ideais para satisfazer nossas ânsias cartesianas. O que está posto é que o histórico faroeste, e todo o imaginário dele criado pelo cinema, se apoia numa estratégia de ocupação e conflito territorial a ser obtido em um processo ditado por uma violência imponente. São universos povoados por homens desgarrados, ávidos por tentar refazer seus passados duvidosos ou fracassados. Para mim, o termo western aqui é algo muito mais espiritual do que reflexo das ações em si. E isso faz parte do próprio princípio do filme, o do dar ênfase ao que está posto nas bordas, não no centro do enredo. Não seria o faroeste exemplar para se entender o incontrolável movimento capitalista de expansão e dominação, propulsor de almas humanas imbuídas de fervor?
Evidente que são muitas perguntas despertadas por esse "Western". Mas uma obra-de-arte não é mais interessante quando está impregnada de pontos de interrogação? Pois é, essa especificamente volteia as ambições econômicas dos homens, essa vontade irrefreável de progresso. Existe um movimento para que as comunidades mais arcaicas se conectem com o restante do mundo. Será mesmo que existe essa necessidade? As tensões nascem a partir de um outro que aporta do nada com uma promessa, a de impor um determinado futuro, uma vinculação de um vilarejo largado no tempo e espaço ao mundo. Um quer a expansão outros a retração. Claro que a desconfiança tende a comandar as relações interpessoais. A história entra como uma referência do perigo, os alemães já estiveram ali e essa memória não é animadora. Não à toa a bandeira no filme é simbólica. Ela é retirada do pedestal no acampamento alemão pelos moradores do vilarejo. Mas quem são esses "invasores" alemães? Nada chega a ser explicitado, mas suas histórias se confundem com a história de seu país. Traços de arrogância estão ali explícitos. A cultura colonizadora está arraigada, e ela vem acompanhada de atos violentos. O desrespeito às mulheres aparece então, elas estão ali para me servir. No meio de um universo predominantemente masculino, as mulheres são tratadas como um bem material a ser explorado, tal como uma jazida ou um minério qualquer.
Grisebach, com seu intrigante "Western" tenta em um contexto agressivo repleto de desconfiança mútua entre os personagens estabelecer um fio de humanidade em uma sociedade regida pelas relações financeiras, até quando elas tentam vender uma imagem positiva de forma sutil. A câmera acompanha serenamente os personagens, se coloca quase sempre visando mais documentar do que propriamente ser uma protagonista. Ela parece querer nos dizer que tudo o que vemos e vivemos não cabe um em simples enquadramento. É preciso sempre enxergar além, e por isso, habilmente ela vai a cada nova e aparente despretensiosa cena, nos dando indícios de que para se entender o mundo precisamos avançar para muito além do mundo das aparências.
Visto no Espaço Itaú de cinema, no dia 17 de março de 2018.
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