
Um museu de distorções
Crítica de Marco Fialho
Polêmica e cinema são duas palavras em uma parceria constante. Realmente elas combinam pra valer. Mas há nessa relação também alguns limites de razoabilidade. "The Square" para o meu gosto passa do ponto, e muito. Algo que vem me surpreendendo nos últimos anos é o quanto a sutileza vem sendo desprezada por muitos cineastas, em especial alguns europeus, historicamente bem atentos a esse aspecto. Me alarma ainda de "The Square" ter recebido o prêmio máximo em Cannes, a cobiçada Palma de Ouro.
Na trama básica de "The Square", Christian é um administrador de museu que após ter seu celular roubado toma atitudes que acabam causando mais problemas em sua vida. Em paralelo, o museu contrata uma empresa de marketing numa tentativa de criar estratégias para conquistar mais público para sua próxima exposição chamada de "O quadrado".
Logo no início do filme somos expostos a uma entrevista de Christian, que muito diz sobre o filme, onde a jornalista pede para ele explicar uma definição sua sobre uma determinada obra de arte que nem ele conseguiu entender. Mas ele retruca e pergunta a ela que se ele colocasse a bolsa dela no chão da galeria isso se configuraria como uma obra de arte. Logo de cara somos afrontados com essa visão simplista e banal sobre o significado da arte contemporânea. Afinal, se ele como administrador não sabe responder a essa pergunta nem deveria estar ali. E esse é um problema central de "The Square", o do particular que se torna geral e assim o filme já começa enviesado e com uma visão distorcida sobre o tema. Ele não busca instigar e sim criar uma imagem negativa ao simplesmente simplificar por meio de exemplos bizarros, que pouco expressam o que é a arte contemporânea, mas que reforça alguns chavões e preconceitos disseminados em nossos dias em torno do tema.
"The Square" é um típico filme sem profundidade, que passa uma imagem de ser diferente, ousado, mas que no fundo não vai muito longe nas questões que levanta. Parece que vai discutir a chamada arte contemporânea, mas não discute. Em algum momento o filme parece também querer discutir curadoria, mas também não chega no ponto. O que mais se pode tirar dele é um debate sobre a arrogância, egocentrismo e o uso do marketing nas artes, embora essas questões fiquem sempre muito dispersas e frouxas. Enfim, apesar do filme circundar alguns temas não consegue realmente mergulhar em nenhum. Ainda se perde em algumas discussões desimportantes como a do menino que exige um pedido formal de desculpas ao protagonista Christian. A arrogância de classe, tão crucial de ser discutida hoje, merecia uma atenção melhor do que esta que está posta no filme.
Com tanto tiro lançado de forma tão dispersa, o filme soa como uma colcha de retalhos temáticos que por mais interessantes que sejam acabam se perdendo ao final. No fundo, há um algo de experimentação narrativa que escorre para o enredo, em um exercício de escrita cinematográfica pós-moderna e vazia. "The Square" é um desperdício formal. A tão propalada cena performática do homem macaco não causa o tal desconforto que tanto se fala, mas sim um constrangimento pelo show de horrores que ela representa. Mais uma vez há uma desqualificação da arte contemporânea, uma visão distorcida, como se ela proporcionasse violência gratuita desmedida a seu público. No meio da performance alguém da plateia grita: "Christian, faça ele parar!" O que se segue é uma deprimente tentativa de estupro e um linchamento. O choque pelo choque. Um exagero que beira o mau gosto sem fim.
Há também a cena em que surge um chimpanzé, que se comporta com mais educação e inteligência do que nós humanos. Há uma intenção deliberada e desgastada de humanizar os animais e animalizar os humanos. Tudo isso soa como estratégia de encenação tão rasteira que não convence, pelo contrário, se revela de uma fraqueza e pobreza sem igual. Aliás tudo no filme tem esse viés de um grande engodo, como se o mero impactar fosse a única meta a ser alcançada. Assim, os temas que podiam ser aprofundados vão perdendo o vigor e o propósito de ser.
Uma das grandes discussões que se perde no turbilhão de temas é a da entrada do marketing agressivo nos museus e na própria vida contemporânea. O que poderia ser uma crítica contundente ao sistema, a primazia da propaganda sobre a própria obra de arte em si, torna-se algo inócuo e estéril. Na verdade, torna-se mais uma camada de impropério, como a do vídeo onde se explode uma criança, com a tola finalidade de chocar e chamar público para a exposição. Se a arte contemporânea é composta por absurdos, porque então não partir de fatos realmente verossímeis? Qual o propósito político desse exagero?
O que poderia ser uma interessante crítica às diferenças sociais e suas relações permeadas pela hipocrisia e prepotência, torna-se algo apelativo, despropositado e uma arma injustificável contra a chamada arte contemporânea. Mas discutir a arrogância com arrogância será um caminho plausível? Uma polêmica pela polêmica, que apenas reforça o vazio de uma crítica social que atira cegamente à revelia, será um caminho pertinente para as artes? O que me fica é que em 2017 a Palma de Ouro foi dada igualmente a esmo.
Visto no Espaço Itaú de Cinema 3, no dia 02 de janeiro de 2018.
Cotação: 2/5
Realmente este filme aborda de maneira caricatural a arte contemporânea. Serve, sem dúvida, para reforçar preconceitos contra ela, em nada contribuindo para uma discussão mais consistente sobre a mesma.
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