Crítica de Marco Fialho
O que primeiro chama a atenção no filme “Columbus” é o seu clima contemplativo. Em boa parte do filme o que vemos é a contemplação. Os personagens contemplam, a câmera contempla, e por fim nós espectadores somos conduzidos à contemplação pelo diretor norte-americano de origem sul-coreana Kogonada. Portanto, o público deve ir preparado emocionalmente para poder fruir plenamente e com tranquilidade essa obra que prima pela dilatação dos planos e do tempo. Mas isso não é tudo, a contemplação não é o todo, apenas funciona como o dispositivo, como um caminho para nos levar a lugares mais profundos e também prazerosos.
Ao pensar nos planos do filme, Kogonada acredita na relação que o cinema estabelece com o tempo e esse é um grande acerto de sua direção. Assim ele nos impõe seu ritmo, ou seria a cidade de Columbus a ditar o seu ritmo aos personagens e ao filme, o que justificaria inclusive o filme ter seu nome. Columbus é uma cidade conhecida por ter uma vocação para a arquitetura modernista e Kogonada propõe pensar seu filme por meio dela, a tomá-la como sua matéria-prima. E esse detalhe impregna de tal forma a sua estética fílmica, que periga abandonarmos o enredo para apenas admirarmos seus arquitetônicos planos, ou seriam seus planos arquitetônicos? Mais do que inspiração então, a arquitetura modernista se integra à estética de sua obra, se transforma em sujeito mais do que em objeto. Por isso julgamos redutor analisar o filme apenas tendo a arquitetura como algo figurativo, vista tão somente pelo caráter de sua visualidade.
Dentre as qualidades de “Columbus”, o que merece registro é a forma com que ele caprichosamente contrapõe a racionalidade das linhas arquitetônicas modernistas com as formas desalinhadas de seus personagens. Enquanto a forma cinematográfica nos impacta com sua geometria simétrica, assim como os planos do filme, os personagens nos são apresentados em suas assimetrias, como se as formas retilíneas e justas dos prédios contrastassem com as imperfeições humanas. Mas as imperfeições aqui não devem ser entendidas como materiais ou relativas ao corpo, mas sim imbricadas no campo espiritual. E a pergunta que fica é como seria então possível o homem ser capaz de construir formas arquitetônicas tão exatas e racionais e na sua vida mundana cotidiana estabelecer relações humanas tão irracionais?
Assim podem ser desenhados os personagens de “Columbus”, como incongruentes, com desejos improváveis e irrealizáveis, regados a uma boa dose de platonismo. Kogonada pensou planos precisos e enquadramentos sempre com simetrias absurdas de tão exatas e calculadas, por mais que tudo que ocorra no quadro soe como uma impossibilidade latente. Amores não correspondidos tornam-se a tônica das relações. Todas as relações viáveis (as entre jovens por exemplo) perdem interesse durante a história e são descartadas. Já as platônicas possuem sempre encantos para os personagens. Assim, a assimetria dos corpos confronta-se com as das formas arquitetônicas. Essas inconformidades entre espaço e personagens conferem ao filme uma unidade tortuosa, atrativa, na linha justa de que os opostos se atraem, e aqui, mais do que isso, se completam harmoniosamente. E isso é estranho pois o filme se constrói pela forma, e ela em si, desnuda o próprio conteúdo, o desvirginando e atropelando. A poética de “Columbus” reside na execução de cada plano, e os planos gerais que abundam no filme são muito sedutores, pela forma completamente contemplativa com que foram filmados.
A distribuidora Supo Mungam Film, responsável pelo lançamento de “Columbus” no Brasil, vez por outra surpreende o público ao lançar pérolas cinematográficas escondidas no meio de um oceano cada vez mais mergulhado por uma mesmice narrativa e estética. Ao içar “Columbus” das profundezas abissais, retira do limbo um tipo de cinema que clama de nós espectadores uma postura diferente da costumeira perante um filme, que nos permita mergulhar livremente numa narrativa onde o vivenciar do tempo assuma o comando e nos faça viajar sem pressa para um outro mar, sereno e de águas calmas chamado “Columbus”.
Visto no Estação Net Rio 2, em 23 de setembro de 2017.
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